São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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Médico brasileiro tira 'naco' do coração e revoluciona cirurgia

IGOR GIELOW; MÔNICA SANTANNA
DE LONDRES

MÔNICA SANTANNA
Uma técnica de cirurgia cardíaca considerada revolucionária, criada há cerca de dois anos por um brasileiro, começou a ser implantada na Europa e será testada por sete países no mês que vem.
A técnica, desenvolvida pelo cardiologista Randas Batista, 49, contraria a teoria de procedimentos cirúrgicos envolvendo o coração: ela simplesmente retira um pedaço do músculo cardíaco para reduzir o tamanho do órgão e obter um ganho de rendimento.
Batista começou a descobrir a técnica de redução do coração durante um passeio na sua chácara (em Campina Grande do Sul, 30 km a noroeste de Curitiba), quando encontrou um búfalo e uma cobra coral mortos.
Como de hábito, o cardiologista retirou os dois corações e começou a dissecá-los. Ao abrir os dois órgãos, Batista notou que os dois tinham a mesma proporção, apesar de o tamanho ser diferente.
"Observei que a relação massa e diâmetro era a mesma e que se retirasse parte desse diâmetro não alteraria o seu funcionamento". A descoberta projetou Batista na comunidade médica internacional. A cirurgia -chamada tecnicamente de ventriculoplastia redutora- ganhou o codinome de "The Batista Operation". O médico chama seu método de cirurgia do "nhaco": "É porque durante a cirurgia retiro um naco do coração".
"Fiquei horrorizado quando, há dois anos e meio, conheci o dr. Batista em Chicago (EUA). Estávamos participando de um congresso quando ele me contou suas idéias", diz Gianni Angelini, 43, um italiano que mudou para Bristol (Inglaterra) em 1979 e hoje é um dos principais cardiologistas do Reino Unido.
A cirurgia
A operação dura por volta de duas horas. Cerca de um terço do sangue do paciente é desviado para uma espécie de coração artificial, o chamado "bypass", para que a cirurgia não comprometa a circulação.
Em casos crônicos de insuficiência cardíaca, o músculo que bombeia o sangue para o corpo fica flácido, o órgão aumenta de tamanho e passa a funcionar pior.
A cirurgia consiste em extirpar cerca de um quarto do músculo sobre o ventrículo esquerdo, e costurá-lo. "Com o coração menor, o bombeamento é mais eficiente", diz Batista.
Em dezembro do ano passado, Angelini tomou coragem e foi até Campina Grande do Sul aprender o método. Em cinco dias, viu 11 cirurgias -todas bem-sucedidas.
"Decidi lutar para implantar o programa no Reino Unido", afirma Angelini, membro da prestigiosa British Heart Foundation.
Problemas
Aí começaram os problemas. A heterodoxia radical do tratamento não foi bem vista pelo NHS, o sistema de saúde britânico, que financia o trabalho de Angelini no hospital da Bristol Royal Infermary.
"Pudemos pegar só quatro pacientes terminais. Criou-se um paradoxo: esses casos são justamente os que têm pouca chance de dar certo, mas precisávamos comprovar a eficácia do tratamento."
Em 12 de fevereiro deste ano, as cirurgias ocorreram em sequência. Participaram Angelini, o próprio Randas Batista, o norte-americano Tom Salerno (State University de Nova York) e o radiologista cardíaco Peter Wilde.
"Nas primeiras 48 horas, o sucesso foi surpreendente, além do que podíamos imaginar", disse Wilde, que trabalha com Angelini.
O engenheiro Peter Nixon, 71, apresentava apenas 25% da capacidade funcional do coração antes da cirurgia. Imediatamente após ter um pedaço de seu ventrículo extirpado e o coração fechado, o rendimento subiu para 68%.
Porém, as dificuldades associadas à idade levaram Nixon e Clifford Fond, 70, à morte.
John Coldrick, 70, recuperou-se. "Antes, não conseguia falar sem arfar. Agora faço tudo normalmente", disse ao programa de TV "QED", da rede britânica BBC.
Porém, três meses depois da cirurgia, Coldrick morreu -devido a problemas renais antigos. O quarto paciente, Philip Chapman, 64, está recuperado.
Com o sucesso -apesar da alta mortalidade-, foi permitida nova cirurgia. Gerry Payne, 49, estava morrendo após dois infartos seguidos. Foi operado e, agora, já trabalha em sua empresa todo dia.
Programa
No mês que vem, um programa envolvendo cem pacientes e dez hospitais no Reino Unido, EUA, Itália, Holanda, Japão, França e Bélgica vai tentar dar um atestado final à técnica de Randas Batista. "Estamos confiantes porque poderemos operar pacientes que se encaixam no perfil da cirurgia -mais jovens e para quem o transplante não é acessível. Esse é o maior achado da cirurgia cardíaca nos últimos 30 anos, desde os transplantes", diz Angelini.
Perfil
Depois de se formar em medicina pela UFPR (Universidade Federal do Paraná), em 1972, Batista foi fazer especialização em cirurgia geral em Boston (EUA), onde morou por seis anos, e depois em cirurgia cardíaca, em Toronto (Canadá). Foram quatro anos dissecando cerca de 4.000 corações catalogados na Universidade de Toronto. Batista trabalha no hospital Angelina Caron, em Campina Grande do Sul, desde quando o estabelecimento ainda era pequeno e não um centro de referência.
"Trabalhamos muito para transformar isso aqui num grande hospital", afirmou Batista, que tem dois prêmios da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Realiza, em média, de duas a três cirurgias por dia. Sua agenda também é tomada por palestras que dá nos Estados Unidos e Europa.

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