São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996
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O adeus de Drummond

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Só agora, nove anos depois de sua morte, o adeus do maior poeta brasileiro do século chega aos leitores. A editora Record coloca no mercado no próximo dia 20 o livro inédito de poesia "Farewell", de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
São 49 poemas que o próprio Drummond organizou numa pasta, em ordem alfabética, e deixou prontos para publicação.
Um deles, "Arte em Exposição" -na verdade uma coleção de estrofes dedicadas, cada uma, a um quadro famoso-, foi publicado em forma de livro de luxo, em 1990 (edição Banco do Brasil/Record/Salamandra). Dos outros, o curto "Unidade" (que abre o livro, em exceção única à ordem alfabética) foi publicado na imprensa. Os 47 restantes, incluindo os que a Folha publica nesta edição, são absolutamente inéditos.
O livro tem capa e ilustrações do artista gráfico Pedro Augusto Drummond, neto do poeta, e é completado com um prefácio informativo de Humberto Werneck e um posfácio analítico de Silviano Santiago. O Mais! publica parte deste último, em primeira mão, à pág. 5-6.
"Farewell" é o sétimo livro póstumo de Drummond a ser publicado. Antes vieram, pela ordem, "Moça Deitada na Grama" (crônicas, 1987), "O Avesso das Coisas" (aforismos, 1988), "Poesia Errante" (1988), "Auto-Retrato e Outras Crônicas" (1989), "Arte em Exposição" (1990) e "O Amor Natural" (poemas eróticos, 1992).
O que poderia, à primeira vista, soar como uma "raspa de tacho" no espólio do escritor revela-se uma gratíssima surpresa: "Farewell" tem altos e baixos (muito mais altos do que baixos), mas é um livro digno do poeta que o assina, o que não quer dizer pouco. É, provavelmente, o melhor e mais importante livro de poesia brasileira editado este ano.
Seu tom geral é de despedida, como sugere o título escolhido pelo poeta. Mas ali -sob um olhar retrospectivo e, no mais das vezes, sereno- estão as vozes e motivos recorrentes de toda a obra do autor: das evocações de Minas à metafísica do amor, do cinema (vide "Os 27 Filmes de Greta Garbo") ao erotismo, da metalinguagem à crônica urbana.
Tanto quanto os motivos, as motivações ou "fontes de inspiração" de Drummond são múltiplas. "Os 27 Filmes de Greta Garbo", por exemplo, foi inspirado num livro sobre a atriz que o poeta ganhou do neto Luís Maurício, conforme relata Humberto Werneck em seu belo prefácio.
A leitura atenta desse longo poema nos mostra o estado de espírito do poeta em seu crepúsculo: tudo é ilusão, o mundo objetivo não vale mais que a memória de um homem, por mais que esta também seja ilusória.
Que não haja mal-entendidos: não se trata de um livro lamentoso, nostálgico ou sentimental: por mais que seja permeável à tristeza, ao luto ou à revolta, Drummond adota aqui o tom esquivo e discreto, "sotto voce", que distingue toda a sua imensa obra.
A própria escolha do vocábulo inglês "farewell" para nomear o volume é significativa. "Adeus" seria um título demasiado melodramático para o gosto drummondiano. "Farewell" diz a mesma coisa, mediada porém pelo filtro da ironia. O sentimento temperado pelo intelecto, a paixão balizada pela lucidez.
Quando se lê esse precioso volume de poemas, a pergunta que fica no ar é: por que demorou tanto tempo para ser publicado? Aparentemente, demorou para haver um acordo entre os herdeiros de Drummond e a editora de sua obra, a Record, embora nem esta nem aqueles assumam essa hipótese. Pedro Drummond chegou a explicar a demora como "apenas uma questão de cronograma". No caso, haveria o interesse de espaçar a publicação das obras póstumas para não prejudicar o impacto de cada uma delas.
"O Amor Natural", lançado em 92, vendeu até agora 40 mil exemplares. A expectativa da Record com "Farewell" é ultrapassar essa marca, de acordo com a editora Luciana Villas-Boas. "Por seu próprio teor erótico, 'O Amor Natural' era um livro de difícil adoção em escolas. 'Farewell' não tem esse problema. Além disso, tem a importância inquestionável de ser o último livro de poemas escrito por Drummond." A tiragem inicial do livro é de 20 mil exemplares. Uma marca auspiciosa para a poesia no Brasil, mas modesta se pensarmos na importância de Drummond.
Depois de "Farewell", o que há ainda de importante, entre os escritos deixados por Drummond, são as cartas que endereçou a Mário de Andrade. Sua organização e publicação dependem da liberação da correspondência passiva de Mário de Andrade, atualmente depositada no arquivo do escritor paulista, no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.
Além disso, a editora Nova Aguilar prepara a edição, em dois ou três volumes, das "Obras Completas" do escritor. Segundo Isabel Lacerda, da Nova Aguilar, a edição deve conter os livros póstumos, incluindo "Farewell", mas ainda não tem data para lançamento.

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