São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996 |
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OS 27 FILMES DE GRETA GARBO
DE MINHA VIDA. DE THE TORRENT A TWO-FACED São tudo visões. Greta Garbo, somente uma visão, e eu sou outra/Woman. Entre os dois, um abismo onde aprisionei, para meu gozo, Greta Garbo. Ou ela me aprisionou? Será que não houve nada disso? Alucinação, apenas? O tempo é imperscrutável. São tudo visões. Greta Garbo, somente uma visão, e eu sou outra. Neste sentido nos confundimos, realizamos a unidade da miragem. É assim que ela perdura no passado irretratável e continua no presente, esfinge andrógina que ri e não se deixa decifrar. Contei-os todos: 24 filmes americanos. Meus. Não me interessam diretores. Monta Bell, Fred Niblo, Clarence Brown, nem penso em Edmund Goulding, para mim não /existem Victor Sjõstrom, Sidney Franklin, John S. /Robertson. Esqueço Jacques Feyder, esqueço Robert Z. /Leonard, para o inferno com George Cukor, e com ele Lubitsch! Dela quiseram fazer uma ninfa obediente, autômato de impulsos programados. Foram vencidos. E que farei de seus galãs? Tenho pena a rota de alva solidão. Não vou sequer nomeá-los. Sombras-sombras que um dia tremularam... se apagando. Todo o espaço é ocupado por Greta Garbo na mínima tela dos olhos, na imensa perspectiva do jovem de 24 anos, e de 24 filmes a desfilarem até o espectador beirando 40 anos, que já tem suas razões de descrer e deslembrar e não deslembra. Sempre a seu lado Greta Garbo. Caminhamos juntos. Não nos falamos. Não é /importante. Súdito da Rainha Cristina, atento à voz de /contralto disfarço-me de groom no Grande Hotel para conferi-la na intimidade sem véus de /bailarina. Não julgo seus adultérios burgueses nem me revolta sua morte espatifada contra a /árvore ou sob as rodas da locomotiva. Sou seu espelho, seu destino. Faço-me o que ela deseja. As you desire me. E aprofundo a lição de Pirandello na ambiguidade do cinema. Que é um filme? Que é a realidade do real ou da ficção? Que é a personagem de uma história mostrada no escuro, sempre variável, sempre hipótese, na caleidoscópica identidade da intérprete? Como posso acreditar em Greta Garbo nas peles que elegeu sem nunca se oferecer de todo para mim, para ninguém? Enganou-me todo o tempo. Não era mito como eu pedia. Escorregando entre os dedos que tentavam fixá-la, Marguerite Gauthier, Lillie Sterling, Susan Lenox, Rita Cavallini, Arden Stuart, Marie Walewska, água, água, múrmura água deslizante, máscaras tapando a grande máscara para sempre invisível. A vera Greta Garbo não fez os filmes que lhe atribui minha saudade. Tudo se passou em pensamento. Mentem os livros, mentem os arquivos Agora estou sozinho com a memória imaginei, maquiei, vesti, amei Greta Garbo. E esse dia durou 15 anos. E nada se passou além do sonho diante do qual, em torno ao qual, silencioso, fatalizado, fui apenas voyeur. Texto Anterior: A LOJA FEMININA Próximo Texto: A ILUSÃO DO MIGRANTE Índice |
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