São Paulo, domingo, 9 de junho de 1996 |
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Austeridade, senha de orgia
CARLOS HEITOR CONY Rio de Janeiro - Não me dei ao respeito de ler o discurso de posse do ministro Antonio Kandir. Soube que, num arroubo oratório, ele chamou três vezes por austeridade. Três é número mágico. Nas preces e nas receitas da cabala, qualquer entidade invocada três vezes ameaça eficácia maior e mais rápida.Tomei a invocação do sr. Kandir como bom agouro. Num dos livros do Marquês de Sade, autor injustiçado pela crítica, há um velho conde ou visconde que promovia bacanais em que freiras se entregavam a cavalos, um pajem era sodomizado por um javali -coisas assim edificantes. A senha para começar os serviços era a palavra "austeridade", repetida com solenidade pelo dono da festa. Ele exigia que todos praticassem a orgia com o máximo rigor. Foi disso que me lembrei -e acho que lembrei bem. Outra coisa que também lembrei foi ter o novo ministro a responsabilidade pelo confisco da era Collor. Não parece, mas a austeridade de hoje pode ser a decorrência do confisco de ontem. O reforço que o governo de FHC recebe é revelador. No complicado arco de suas alianças, no fisiologismo desbragado que nunca houve igual na história do Brasil, faltava um membro da equipe de Collor, justo aquele que causou mais problema e tragédia na vida de milhões de todos nós. Quando o governo Collor for reduzido a verbete de enciclopédia, terá na certa duas linhas: uma dedicada ao confisco do sr. Kandir, outra à roubalheira do esquema PC. Devemos considerar lucro o fato de FHC ainda não ter nomeado PC para o Tesouro Nacional. Mas não devemos desesperar. Ainda faltam dois anos e meio (ou mais do que isso, se houver reeleição). Na ânsia de ampliar aquilo que os sociólogos gostam de chamar de "espectro", poderemos contar com o reforço de grandes reservas morais e técnicas dos tempos de Collor. Texto Anterior: José "Dornbusch" Sarney Próximo Texto: Nada de novo Índice |
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