São Paulo, segunda-feira, 10 de junho de 1996
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Empresário ataca falta de política industrial

ANTONIO CARLOS SEIDL
DA REPORTAGEM LOCAL

A estratégia industrial do Brasil, se fosse possível defini-la, não seria a de candidato a tigre, nem mesmo a gato, seria a de uma borboleta na tempestade.
A afirmação é de Paulo Guilherme Aguiar Cunha, 56, presidente do grupo Ultra (faturamento anual de US$ 1 bilhão) e do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).
Um dos mais importantes porta-vozes da indústria brasileira, Cunha critica a falta de uma política industrial: "Isso levará um grande número de empresas a estratégias de sobrevivência, oscilando da acomodação defensiva à venda ou liquidação de ativos".
O empresário diz que os efeitos dessas atitudes poderão revelar-se bastante perversos. "O emprego, a distribuição de renda, as desigualdades regionais e a capacidade de crescer sustentavelmente podem estar sendo atingidas", avalia.
Para reverter esse quadro, Cunha propõe uma parceria do setor privado com o Estado para a definição conjunta de rumos e a divisão de responsabilidades.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Cunha à Folha, concedida na sede do grupo Ultra -distribuição de gás, petroquímica e transporte-, em São Paulo.

Folha - Por que o sr. vê a indústria do Brasil como uma borboleta na tempestade?
Paulo Guilherme Aguiar Cunha - A globalização é um processo de grande intensidade, uma tempestade, e o Brasil abriu seu mercado de forma hesitante, incompleta e mal planejada.
Tudo caracterizando, portanto, muito mais um vôo de borboleta do que o salto de um tigre.
Folha - Por quê?
Cunha - Porque estamos retardatários na questão da proteção da indústria nacional com relação à concorrência desleal, não temos uma estratégia afirmativa de conquista de mercados externos, por meio do apoio decidido do governo, como se observa na estratégia de outros países.
Vemos claramente que a estratégia de inserção no mundo dos países asiáticos é afirmativa, deliberada, e que a estratégia do Brasil é passiva. Ela reage a pressões internacionais, não é o resultado de uma convicção forte interna.
Folha - Quais são os efeitos dessa inserção passiva na globalização?
Cunha - Os efeitos são perversos. Significam a redução ou a destruição da produção nacional.
A questão da produção em um país como o Brasil precisa ser colocada como valor no imaginário dos brasileiros, como já esteve na época do desenvolvimento.
Em determinado momento da nossa história, praticamente todos os brasileiros achavam importante que tivéssemos uma indústria grande, poderosa e forte para gerar empregos e desenvolvimento.
Folha - A indústria perdeu esse valor na sociedade brasileira?
Cunha - Sim. Numa determinada dobra no passado recente, no meio dessas crises econômicas que viveu o país, perdemos esse valor da produção como fonte de inspiração do desenvolvimento.
A produção não está mais no discurso político, a produção não está mais no imaginário dos brasileiros. Os produtores, sejam eles agricultores ou industriais, têm sido, sistematicamente, responsabilizados pelos problemas do país.
Tudo isso faz parte de uma estratégia que não é afirmativa. Não é, portanto, uma estratégia com possibilidade de ser vencedora em termos do mercado internacional.
"O Brasil abriu seu mercado de forma hesitante, incompleta e mal planejada"
Folha - Qual é a saída para o industrial brasileiro?
Cunha - Na medida em que a dosagem dos instrumentos fundamentais de política econômica -taxa de juros e de câmbio- não estão corretos, isso induz os industriais e capitalistas a dirigirem seus investimentos para longe dos produtos "tradeables", produtos comercializáveis internacionalmente, na busca de serviços, investimentos em telefonia, concessões de estradas, enfim, os setores que não estão diretamente afetados pela competição internacional.
Isso portanto terá repercussões no futuro em termos do nosso balanço de pagamentos, gerará menos produtos disponíveis para exportação, o que significa que o crescimento da economia não será no futuro aquele que poderia ser.
Folha - Em quanto, a seu ver, a taxa de câmbio está defasada?
Cunha - Não quero entrar nessa polêmica. Ela não tem fim. O importante é sinalizar alternativas que sejam construtivas.
Folha - Quais?
Cunha - Parto do princípio de que o governo isoladamente não encontrará saída para esse círculo vicioso em que nos encontramos.
Acho que o círculo virtuoso que se procura vai sair de uma solução a quatro mãos, entre o governo e o setor produtivo. É preciso criar condições para fazer com que o setor produtivo antecipe investimentos que seriam feitos no futuro, por meio de mecanismos de coordenação adequados.
Essa antecipação, na medida em que seja ampliada para vários setores, certamente teria o poder de contaminar outros setores produtivos e iniciar um processo de um círculo virtuoso, que poderia restaurar uma confiança adequada no futuro do país e estabelecer um ritmo de crescimento mais acelerado do que o que temos hoje.
"Não temos uma estratégia afirmativa de conquista de mercados"
Folha - A indústria busca uma parceria com o governo?
Cunha - Exatamente. Precisa acabar essa dicotomia de tentar responsabilizar os produtores, os industriais, de imaginar que são todos inimigos do Real.
Essa é uma afirmativa estranhíssima. É como se nos EUA alguém pensasse em acusar alguém de ser inimigo do dólar, ou, na Alemanha, de ser inimigo do marco.
Mas aqui no Brasil isso acontece. É preciso acabar com essa história e buscar soluções construtivas.
Folha - A indústria não é inimiga da estabilização?
Cunha - Claro que não. Não é inimiga da estabilização nem da inflação muito baixa. Pelo contrário, a indústria brasileira precisa é de crescimento. Aliás, não é a indústria brasileira, é o Brasil, são os brasileiros que precisam de emprego, precisam de renda.
Folha - Esse é o momento para acelerar o crescimento?
Cunha - Me parece que sim. É preciso deixar claro que a indústria brasileira em momento algum se beneficiou da inflação alta.
Ao longo do processo inflacionário, a indústria perdeu participação no PIB.
Outros setores ganharam. Quem ganhou muito foi o governo, por definição, com o imposto inflacionário. E o sistema financeiro. A indústria sempre perdeu. Dizer que a indústria quer inflação é uma demagogia barata.

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