São Paulo, domingo, 16 de junho de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
O império absoluto das imagens
NICOLAU SEVCENKO
O eixo comum que une os oito ensaios é a busca das condições históricas de emergência de um sistema cultural centrado na visualidade, a característica mais singular e preponderante do nosso tempo, tendo no cinema o mais importante elemento de constituição tanto de seu repertório de imagens, quanto de seus processos de interação com o imaginário social. O advento desse sistema impôs uma situação tal que, "todas as lutas de poder e de desejo têm de acontecer aqui, entre o domínio do olhar e a riqueza ilimitada do objeto visual". São essas condições que propiciam a germinação da "libido escóptica", o desejo fixado na superfície visível da imagem, desinvestido de qualquer substância ou profundidade do real. É considerando o extraordinário poder de mobilização concentrado nessa epiderme de celulóide, que leva Jameson à afirmação categórica de que, "o visual é essencialmente pornográfico, isto é, sua finalidade é a fascinação irracional, o arrebatamento". Essa sexualização das imagens desliza facilmente, como todos sabemos, graças às manobras de prestidigitação da publicidade, para a sexualização dos objetos, desencadeando a mercantilização universal das coisas e dos seres, num processo geral de reificação do mundo pela sua capa visível. Conforme a observação de Adorno-Horkheimer, "tudo na sociedade de consumo assumiu uma dimensão estética". Essas são a constatação, a análise e a avaliação do estatuto da Era da Imagem. O objetivo maior de Jameson, porém, é o de transcender esse momento e sondar práticas políticas que suscitem a crítica e a transformação desse contexto, partindo, como é inevitável, das suas próprias condições de operação e reprodução. Nessa linha ele revê tanto as formulações de Brecht-Benjamin, no sentido de sua expectativa de que as novas tecnologias de comunicação traziam um potencial emancipador intrínseco, quanto às análises de Adorno-Horkheimer, fundamentadas no poder corrosivo e transformador das vanguardas modernistas. As condições do presente, a hegemonia implantada de uma cultura popular de massa, obrigam a requalificar ambas as tradições críticas. Hoje, "tudo é mediado pela cultura, até o ponto em que mesmo os níveis político e ideológico devem ser desemaranhados de seu modo primário de representação que é cultural". Se tudo é cultura e a cultura são redes de imagens, Jameson entende a crítica cultural como a prática política por excelência e o enfrentamento da dimensão mítica da imagem como sua estratégia mais contundente. Sua hipótese central é a de que "as obras de cultura de massa não podem manipular a menos que ofereçam um grão genuíno de conteúdo, como paga ao público prestes a ser tão manipulado". É, em suma, esse "grão genuíno" que ele procura em meio ao deserto árido e onipresente da cultura popular de massa. Quer queira, quer não, é dessa substância que a cultura de massa tem que se nutrir se pretender obter algum impacto social significativo. Nessa manobra ela incorpora e revela índices das tensões mais candentes do meio social. O problema é que o que ela incorpora como índice, ao ganhar repercussão, ela destrói pelo metabolismo da iconização e repetição infinita. Como então escapar da imagem pela imagem, se pergunta perplexo o professor Jameson? É o que o leva a conjecturar sobre as potencialidades da câmera e sobre os segredos ainda mal conhecidos desse "aparelho curioso, no qual a máquina e a percepção estão ligadas mais afetiva e simbioticamente do que o corpo e a mente". É também o que lhe inspira divagar sobre os diferentes modos de produzir significação do filme em preto-e-branco e do colorido. Ao largo de todos esses caminhos ele vai compondo uma trajetória própria na qual, com cacos sucateados do império da imagem e o frescor de cenas discrepantes das estéticas oficiais, agrega vultos de um universo estranho. Um mundo no qual as sombras só sobrevivem se resgatarem o ser de que emanam. Texto Anterior: Um malabarista sobre as ruínas da pós-modernidade Próximo Texto: BECKETT; ARRABAL; SUCESSO; CONFERÊNCIAS; FLORESTAN; GONCOURT; LANÇAMENTO 1; LANÇAMENTO 2 Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |