São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 1996
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Economista faz defesa de crédito facilitado a pobres

RUI NOGUEIRA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Importado de São Paulo pelo governo do Distrito Federal, o economista e doutorando em políticas sociais Ivan Gonçalves Ribeiro Guimarães, 33, cansou de dar palpites e resolveu "fazer coisas".
Ex-aluno de Aloizio Mercadante, candidato a vice-prefeito de São Paulo na chapa de Luiza Erundina (PT), Guimarães deixou de ser assessor da CUT (Central Única do Trabalhador) e virou secretário-adjunto do Trabalho do governo do PT no Distrito Federal.
Foi o criador do Banco do Povo em Brasília e faz parte do grupo de trabalho do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) que estuda o lançamento de instituição similar, como pediu a primeira-dama Ruth Cardoso, em todo o país.
Integra também um grupo de economistas que estuda políticas públicas alternativas aos programas assistencialistas.
"Não dá para imaginar o Estado alimentando eternamente milhões de famintos", diz Guimarães. Leia, a seguir, os principais trechos de entrevista concedida à Folha:
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Folha - O que há de errado com as políticas sociais governamentais? Parece que nada muda.
Ivan Gonçalves Ribeiro Guimarães - As políticas sociais no Brasil são uma espécie de caixa-preta. Utilizam muito dinheiro, praticamente a metade de tudo o que o governo gasta. Mas pouca gente entende o que acontece. E é impressionante a falta de estudos.
Os que existem mostram que, em vários países, o "welfare state" -um conjunto de medidas sociais para atender ao cidadão- institui políticas de promoção social.
A população precisa participar de alguma forma. Identificar um grupo de famintos e, pura e simplesmente, decidir alimentá-lo não resolve. Não dá para imaginar o Estado alimentando eternamente milhões de famintos. Eles têm de ser inseridos.
Folha - Que nota, de 0 a 10, merece o Comunidade Solidária?
Guimarães - Dou 7,5. O Comunidade Solidária é uma grande idéia. Todo mundo sabia que a LBA (Legião Brasileira de Assistência) tinha de ser extinta, mas ninguém conseguia.
Collor tentou. Acabou criando um enorme ministério. Itamar começou, mas não terminou. FHC conseguiu, e isso merece elogios.
A LBA aplicava muito mais recursos do que se investe hoje, mas por meio de uma rede loteada por interesses. Extinguir a LBA já é algo fantástico. Ela é a prova da necessidade de derrotar o corporativismo da máquina assistencialista.
Folha - Por que o Comunidade Solidária, criado para coordenar os programas sociais do governo, ainda enfrenta dificuldades?
Guimarães - Por falta de poder real. Eu comparo o Comunidade àquela tropa da ONU (Organização das Nações Unidas) na Bósnia.
São soldados armados até com tanques, mas que não têm poder de fogo. Estão fazendo um papel importante, mas não conseguem acabar com a guerra.
Os políticos que estão no Congresso Nacional e são oposição aos governadores ou prefeitos da sua região odeiam o Comunidade Solidária. Antigamente, era mais fácil fazer um acordo e conseguir verbas para o seu curral eleitoral.
Folha - Organismos internacionais têm uma avaliação positiva de pelo menos um programa, o da merenda escolar.
Guimarães - Foi o único pro grama que deu certo. Era coordenado pela Anna Peliano (hoje secretária-executiva do Comunidade Solidária), que, como técnica do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), foi uma das primeiras pessoas a pensar a execução do programa da merenda.
Folha - A mágica foi vincular a escola a um programa para matar a fome das crianças?
Guimarães - A escola tem para as populações pobres um sentido de ascensão social que para a classe média não é tão claro. O estudo clássico do pesquisador Sérgio Ribeiro Costa desmontou a idéia de que o problema era a desistência.
Os garotos até ficam um monte de anos na escola, o que eles não conseguem é progredir. E a merenda teve um papel de fixação das crianças na escola.
O programa passou por uma evolução: era nacional, ficou estadual e, agora, está tão descentralizado, que, em alguns municípios, já é por escola.
Folha - O que aconteceu com o Pró-Labore do governo Itamar, aquela tentativa de colocar os recém-formados trabalhando no interior do país?
Guimarães - Parece que foram colocados pouco mais de 500 pessoas de um total de 60 mil inscritas.
Foi gasto dinheiro e tempo para nada. No dia em que o Pró-Labore foi lançado, o sistema telefônico de Brasília caiu, tamanha a quantidade de ligações.
Folha - Como, então, deve ser a assistência social?
Guimarães - Ela deve ser pensada como um programa de recursos humanos.
Há uma grande fatia da população que está abaixo do patamar ideal para o país. O país tem de se empenhar para que as pessoas transitem para o novo patamar. Ou seus filhos.
Se você não tem condição de transformar os pobres em não-pobres, então vamos assumir um compromisso social de transformar seus filhos em não-pobres.
Precisamos quebrar essa lógica que impõe que o filho de agricultor é agricultor, filho de mecânico de automóvel tem de ser mecânico de automóvel. E é preciso trabalhar com um horizonte de planejamento de, no mínimo, 25 anos.
Folha - De onde surgiu essa idéia do Banco do Povo, que já existe em vários países?
Guimarães - No início dos anos 70, em meio ao debate sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento, dependência etc, um grupo propôs encarar cada pobre como uma unidade produtiva.
A diferença do pobre para as unidades produtivas é que ele não tem acesso ao crédito.
Um economista do Bangladesh, Muhammad Yunus, que hoje é diretor do Grameen Bank (Banco Rural), teve a idéia de emprestar US$ 20 do próprio bolso para um camponês, que devolveu o dinheiro. A partir daí, ele institucionalizou a idéia de financiar algum tipo de atividade que gerasse renda.
Hoje, o Grameen Bank de Bangladesh tem 1 milhão de clientes. Atende gente miserável com empréstimos de US$ 100, US$ 150.
A experiência espalhou-se. Alguns desses programas têm uma utilização política absurda. Os agentes de crédito do Banco do Povo da Bolívia, por exemplo, são excelentes cabos eleitorais. Já elegeram um presidente do país e devem eleger o próximo.
Folha - O Banco do Povo, no DF, só libera o empréstimo vinculado ao curso de formação profissional? Guimarães - Sim. Optamos pela criação de um fundo, o Funsol (Fundo de Solidariedade para a Geração de Emprego e Renda), a partir dos recursos destinados pelo governador (R$ 5 milhões).
O fundo não fica na vala comum do orçamento do Estado. Um secretário da Fazenda não pode meter a mão no dinheiro para pagar salário de funcionário público.
Emprestamos até R$ 5.000, por um prazo máximo de 24 meses, e com juros de TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), de 3% a 12% ao ano -a taxa média está em 3.1%.
Podemos emprestar a micros e pequenos produtores e não exigimos a regulamentação do empreendimento. A idéia não é oferecer crédito barato, mas permitir o acesso ao dinheiro.
Folha - Como a tal burocracia corporativa encara essas novas idéias? Como derrubar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para fazer os empréstimos do Banco do Povo no DF?
Guimarães - Levamos seis meses entre a aprovação da lei e a primeira operação. As estruturas burocráticas estão habituadas a fazer só o que conhecem. O que eu mais ouvi até hoje foi a expressão "não pode". Quando chega nesse ponto, vira um caso de decisão política. Ou o governador manda fazer, ou o programa não sai.
Folha - E o IOF?
Guimarães - O Banco Central empurrava para a Receita Federal, que empurrava para o BC, e os dois empurravam para o Conselho Monetário Nacional. Pedimos a isenção em agosto passado e só conseguimos em abril deste ano. E quem impôs a liberação foi a Anna Peliano, do Comunidade Solidária.
Folha - O que falta para o governo federal lançar o Banco do Povo, no país todo, como pediu a primeira-dama, Ruth Cardoso?
Guimarães - Decisão política do presidente. As discussões estão bem encaminhadas e só falta marcar o dia do lançamento.

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