São Paulo, terça-feira, 18 de junho de 1996
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Teoria e prática

ANDRÉ LARA RESENDE

Dois livros de George Soros, o grande especulador internacional, estão sendo publicados pela Nova Fronteira. "A Alquimia das Finanças" é antigo. Passou muitos anos esgotado, sem reedição nos Estados Unidos, e era difícil de encontrar. Há alguns anos me deparei com um exemplar na prateleira do escritório de um amigo em Nova York.
Um operador sofisticado do mercado de dívida, ao notar meu interesse, ofereceu-me logo o livro com um comentário pouco estimulante: "Trata-se de uma teorização pretensiosa do óbvio".
De fato, o livro é pretensioso. Nada de receitas. Vê-se logo que o autor não é americano e tem uma formação elaborada. A tese central é interessante: os mercados de capitais são movidos por uma interação dos fundamentos com a percepção da realidade, num fenômeno que Soros chama de "reflexividade". Até aí nada de novo.
Soros vai, entretanto, mais longe. A psicologia dos agentes forma ondas que levam os preços a se afastarem do equilíbrio. Existem, portanto, desvios em relação aos fundamentos. Grandes desvios são corrigidos de forma brusca e, na maioria das vezes, levam a exageros no sentido contrário.
A moderna teoria das finanças está baseada num modelo que pressupõe que toda a informação está incorporada nos preços. Os preços de equilíbrio refletem sempre de forma correta os fundamentos. Novos dados são imediatamente incorporados num novo equilíbrio. Uma implicação importante desse modelo é que não haveria como obter retornos excepcionais nos mercados. Toda informação nova é imprevisível, pois por hipótese tudo que é previsível já está nos preços.
Dado tempo suficiente para se eliminar os desvios da sorte, uma carteira escolhida ao acaso teria a mesma rentabilidade que qualquer outra baseada nas mais sofisticadas análises.
A formulação teórica de Soros, ao contrário, dá margem para que haja possibilidade de retornos extraordinários. Basta saber identificar os desvios dos preços em relação aos fundamentos e compreender a psicologia dos mercados. Se alguma dúvida houvesse, a própria experiência de George Soros se encarregaria de dissipá-la.
Compreende-se assim porque meu amigo, um operador pragmático, não vê na tese nada mais do que o que ele sempre soube.
Daí a concluirmos que a teoria dos mercados eficientes é uma formulação estúpida e irrelevante vai uma longa distância. Trata-se de um modelo paradigmático capaz de iluminar importantes aspectos do funcionamento dos mercados. Como toda concepção teórica, é uma abstração simplificadora. O que não se deve fazer é tentar extrair dela mais do que o devido. Mas esse já é um outro assunto. Volto a Soros.
O segundo livro, "George Soros", é uma entrevista onde ele fala de sua vida, seu passado desde a fuga do comunismo na Hungria até suas atividades filantrópicas voltadas para o desenvolvimento do capitalismo no Leste Europeu. Bem mais interessante para quem quer conhecer um dos mais bem-sucedidos especuladores internacionais.
Eu, por meu lado, não pude deixar de lembrar de uma passagem que li há muitos anos. Scott Fitzgerald teria dito que os ricos são diferentes, ao que Hemingway retrucou: "Sim, eles têm mais dinheiro".

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