São Paulo, quarta-feira, 19 de junho de 1996
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O choque dos indicadores

ERON ALVES DE OLIVEIRA

Os diagnósticos sobre a economia brasileira parecem refletir dois países diferentes. Para quem examina o coração do Real com os dados do desemprego, o infarto é iminente. Para quem toma o pulso das vendas a prazo, o plano anda saudável.
Para que lado pendem os indicadores econômicos? Depende da vontade do freguês. Os que têm "boa vontade" mostram que a atividade industrial teve forte recuperação em abril, segundo a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Pelo indicador dessazonalizado (que elimina a influência do menor número de dias úteis), o crescimento das vendas do setor, descontada a inflação, foi de 10,41% em relação a março.
Ainda nessa linha, a taxa de emprego no mercado formal (trabalhadores com carteira assinada) apresentou desempenho positivo em abril, depois de nove meses em queda. Em abril, houve um aumento de 0,24% no número de vagas no mercado de trabalho em relação ao mês anterior. Em março, a queda foi de 0,16% em relação a fevereiro.
Esses dados do Ministério do Trabalho mostrariam que a economia está se recuperando e o país pode crescer 4% neste ano, na avaliação do governo.
Estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), acrescentariam os homens de "boa vontade", concluíram que o número de pessoas abaixo da linha da pobreza em seis regiões metropolitanas do país caiu em 5 milhões de julho de 94 a janeiro de 96.
Mas os que têm "má vontade" também têm uma lista de desacertos a apresentar. Desde o início do ano, 96.817 pessoas ficaram desempregadas, o equivalente a uma queda de 4,5% em relação ao nível de emprego de dezembro, segundo a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
A inflação de abril superou 1,5% e pode ficar até julho perto desse patamar. Dois terços das microempresas, ou 66%, faturam apenas o necessário para cobrir os custos fixos, segundo levantamento do sindicato do setor. Há mais de 3 milhões de carnês com pagamento atrasado só na Grande São Paulo e o déficit comercial do primeiro quadrimestre foi superior a US$ 200 milhões, o que, dessazonalizado e projetado, indicaria um déficit em 96 de US$ 3 bilhões.
Listar os números negativos é retórica do caos, apropriada para quem quer se diferenciar junto ao grande público? Ou alerta a ser levado em consideração? Enumerar dados positivos significa tender para o tucanato e ver a ralidade como avestruz, com a cabeça enterrada na areia? Ou são análises desapaixonadas que mostram que o Real está no caminho certo?
A discussão sobre o crescimento econômico atual trouxe para a dança até mesmo o economista norte-americano Rudiger Dornbusch. Para ele, o país poderia conviver com uma taxa um pouco maior de inflação para privilegiar o crescimento econômico. Ele considera insensata a busca a todo custo de uma inflação de um dígito anual, com os seus custos sociais.
Crítico do atual rumo do Real, o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore acredita que um dos maiores desastres do país foi a inflação alta contrabalançada com a correção monetária.
"Quem quiser destruir a economia de um país destrua a sua moeda, já alertava Lênin, o revolucionário soviético", ensinou Pastore.
Parcela considerável dos brasileiros parece pouco disposta a trocar a atual rigidez da moeda por um modelo sedutor de crescimento econômico.
É que poucos acreditam que a inflação fique bem-comportada. Temem que uma dose de alta de preços possa viciar novamente o organismo econômico, que andou mais de 20 anos na base da correção monetária.
O quadro econômico com fortes tons recessivos, na análise de muitos, fez com que empresários ficassem cautelosos na concessão de benefícios a seus funcionários.
O desemprego deu o tom final. Em ritmo de 2% ou 4%, as empresas modernas sabem que o país deve continuar crescendo neste ano e que é preciso investir em seus funcionários, para competir na era da Internet e não deixar espaços que possam ser ocupados pela concorrência em razão do imobilismo.
Aliás, o trabalhador brasileiro começa a ser reconhecido pelas multinacionais. Luís Nassif escreveu que, para a Samsung a maior vantagem comparativa do Brasil em relação às demais 15 unidades internacionais da empresa era a mão-de-obra. Os brasileiros permitiram à unidade de Manaus alcançar em três meses níveis de produção que, na média mundial da empresa, são obtidos em quatro a cinco meses de operação.
O time de trabalhadores brasileiros, com um sistema educacional deficiente, mostra-se criativo e disciplinado. Precisa e deve continuar a ter benefícios.
É preciso deixar também de enxergar o país com os olhos viciados pelas sucessivas crises econômicas, que recomendam sempre doses homeopáticas de descrença que acabam turvando a visão de médio e longo prazos. Daí resultam estratégias empresariais baseadas na convicção de que o Brasil só se move na base do "stop and go" na era dos bits e bites.

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