São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 1996
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"Bacantes" encerra um ciclo do teatro Oficina

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Com cerca de metade da duração, "Bacantes", na forma apresentada no fim de 1995 no teatro grego de Ribeirão Preto, foi uma comoção; um ritual pleno, de Dionísio, mais do que interpretado, celebrado por Marcelo Drummond, o ator mais desabusado da cena nacional.
Semana passada, alcançando quase seis horas, encerrando a apresentação de estréia às três da manhã, a celebração contraiu-se. Claro, não foram apenas as seis horas, embora sejam empecilho para um teatro que se quer de grande público, de massa.
O que se perdeu foi a própria celebração. O barroco lendário do diretor do Oficina, uma forma de criação que ele traz de décadas e que foi assim descrita há décadas, fez desaparecer da cena Dionísio, a personagem, mas sobretudo o deus do teatro.
O que se presenciou no deslumbrante teatro grego não se repetiu no teatro de Lina Bo Bardi porque Dionísio não esteve dominante, ou antes, esteve oculto sob as camadas barrocas do que promete ser o novo teatro Oficina.
Talvez "Bacantes" seja, mais do que o início de um novo tempo, ou de um renascimento, como deseja a produção, talvez "Bacantes" seja mais o final de um tempo para o próprio Oficina.
Espetáculos como "As Boas", "Ham-let", até "Mistério Gozozo", ficam para trás e o ciclo chega a "Bacantes", o musical para o qual todos se direcionavam, como uma derradeira festa. Não do teatro Oficina, da companhia, mas de um momento dela, como existiram tantos outros.
Um momento que foi e ainda é, neste últimos suspiros, de Marcelo Drummond, tanto quanto de Zé Celso Martinez Corrêa, o diretor -foi e ainda é, no sentido de uma estética, de uma face teatral que guarda pouco do Oficina ou dos tantos Oficinas de duas, três décadas atrás.
Em uma de suas muitas partes: o homossexualismo aberto, desabusado, mas também franco ao extremo da ingenuidade. (O mesmo homossexualismo que fez de seu Hamlet um acontecimento inesperado e revoltante -só comparável ao de Stephen Dillane, um ano depois, em Londres.)
"Bacantes" em Ribeirão Preto foi o ápice, o pico de tal ciclo, com Dionísio coroado, como gosta de dizer o diretor. Marcelo Drummond, no teatro grego, celebrou, conduziu o ritual diante, mais do que de empolgação, de um verdadeiro fascínio das quase três mil pessoas na platéia.
"Bacantes" em São Paulo, no teatro-pista, é outra coisa. Se o que vai ser o próximo Oficina está no melhor da apresentação de estréia, então está na catártica interpretação de Denise Assunção, sob uma encenação dirigida com detalhada perfeição por Zé Celso, para a morte do odiado Penteu.
Nem se percebem as conhecidas falhas de direção musical, figurino, cenografia. A cena em que Agave, dominada por Dionísio, descobre e mata o filho e depois acorda para o que fez é aterradora e definitiva. Por outro lado, uma alegoria mais da descoberta de Penteu do que da coroação de Dionísio.
Dionísio, quem poderia imaginar, sai de "Bacantes", da peça prometida, derrotado.

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