São Paulo, sábado, 22 de junho de 1996
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Curadores garimpam talentos

LUIZ CAVERSAN
DIRETOR DA SUCURSAL DO RIO

"Quem é Gaudí?" A pergunta ecoou incômoda no salão do Centro Cultural Chaminé, em Manaus, semana passada.
Quem queria saber era uma artista plástica de 24 anos cujos trabalhos eram avaliados pelo curador Lorenzo Mammi, do projeto "Antarctica Artes com a Folha".
Quem citou Gaudí foi o repórter, comentando que o trabalho ali presente (um banco em forma de bicho e pintado como se fosse um mosaico) lembrava remotamente esculturas do parque Guel, em Barcelona, perpetrado pelo gênio catalão Antoni Gaudí (1852-1926).
Embora a jovem artista manauara desconhecesse Gaudí, a desinformação com relação à história da arte e seus movimentos e personagens não é regra entre os artistas contatados ao longo do projeto, em todo o Brasil.
O trabalho dos cinco curadores -que já visitaram mais de mil ateliês em todos os Estados- assemelha-se ao de garimpeiros desbravadores, que percorrem muitos quilômetros, fuçam e reviram em busca de preciosidades -no caso, talentos que possam integrar a grande exposição que resultará desse levantamento inédito.
O curador pode ter boa surpresa e logo de cara encontrar um talento inquestionável. Mas há grandes decepções também: numa viagem, percorrem-se milhares de quilômetros, vários ateliês são visitados, muitos artistas entrevistados, trabalhos analisados sem que nenhum deles valha a pena.
A Folha acompanhou três curadores do projeto em viagens a Manaus, Porto Velho, Salvador, Cachoeira (BA) e Rio de Janeiro. E pôde constatar que as principais armas para quem quer garimpar arte brasileira contemporânea são paciência e disposição.
Imagine uma capital onde não haja nenhum museu, o único centro cultural esteja fechado e as eventuais exposições de arte ocorram em agências bancárias ou no pequeno shopping local.
Porto Velho (RO) é assim, e para se chegar aos jovens artistas na ex-terra do ouro o garimpeiro-curador teve de recorrer a uma poeta e agitadora cultural local.
Conduzido pela paranaense Nilza Menezes, Lorenzo Mammi pôde seguir seu caminho: fundos de quintal, alpendres, salas de casas modestas abrigavam os ateliês dos jovens artistas, apenas três deles com menos de 32 anos, o limite imposto pelo projeto para agrupar só os que sucederam a geração 80.
Em Manaus, parada anterior de Mammi, os artistas jovens -apenas quatro, pouquíssimos para uma cidade de 1,2 milhão de habitantes- se agruparam no Centro Cultural Chaminé, uma antiga indústria restaurada.
Assim como na capital anterior, a produção artística local é prejudicada pela falta de apoio oficial. Sem um único museu e sem centros de cultura expressivos, a produção se dilui e torna o "garimpo" ainda mais trabalhoso.
Mas, como o Brasil é mesmo o país dos contrastes, é na pequenina São Félix, no Recôncavo Baiano (cerca de duas horas e 30 minutos de carro de Salvador), que a boa surpresa chega.
A antiga e bela fábrica de charutos Dannemann foi transformada num bem-equipado centro cultural. Sob o comando do produtor Pedro Archanjo, realiza exposições frequentes e até uma bienal para mostrar a produção local.
Por conta da visita do curador do projeto, o centro montou uma exposição só para que a arte dos jovens da região pudesse ser avaliada. Coisa de primeiro mundo.
No Rio, onde esteve semana passada o curador Nelson Brisac Peixoto, a mescla de primeiro e terceiro mundo saltou aos olhos no caminho do ateliê que ele visitou.
O ambiente de trabalho da artista cuja obra seria avaliada ficava numa travessa próxima à praça Tiradentes, zona de baixíssimo meretrício do Rio.
Na rua, lixo e putas mal vestidas e desdentadas aos montes. No prédio velho, mas restaurado, a escadinha levava a um ateliê asséptico bem montado e no qual a linguagem conceitual predominante lembrava um bom canto do Soho nova-iorquino, por exemplo.
A ex-zona de prostituição do Pelourinho, em Salvador, também é hoje reduto de artistas. E foi lá que Mammi e Lisette Lagnado, outra curadora do projeto, encontraram os jovens baianos da capital.
Pelas ladeiras e sobrados coloniais, cores e odores davam o tom. Entre os artistas, a multiplicidade de linguagens e propostas é o que mais chama a atenção.
Mais que santos e barrocos, a prova de que a nova geração é sobretudo antenada nas linguagens e suportes contemporâneos.

LEIA MAIS sobre artes plásticas à pág. 4-3

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