São Paulo, terça-feira, 25 de junho de 1996
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Universidade envolta em atmosfera de bolha 2

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Estranha reação a das universidades estaduais paulistas -Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (Unesp) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)- que se mostraram radicalmente contrárias à emenda constitucional do deputado estadual Vaz de Lima (PSDB-SP), propondo a cobrança de mensalidades para estudantes ricos.
Sempre pensei que as universidades fossem sensíveis à injusta distribuição de suas vagas em vestibulares que privilegiam aqueles que vêm das classe ricas e, portanto, do ensino privado. Era assim quando entrei na USP, quando saí de lá há mais de uma década e continua igual hoje. No meu curso, havia poucos casos de alunos que, como eu, tinham vindo de escolas públicas sem nunca ter passado pela porta de um curso pré-vestibular.
O número de filhos de milionários, de todo tipo de rico e de gente de classe média alta era assustador. Esse quadro não pode ter mudado muito em tão pouco tempo. Em recente entrevista ao jornalista Fernando Rossetti, o reitor da Unicamp, José Martins Filho, disse à Folha (16/6/96) que "apenas 18,7% dos alunos da Unicamp são de famílias ricas, 46,17%, de famílias de classe média e 37,1%, de famílias entre dois e 15 salários mínimos."
Resta saber o que o reitor chama de "famílias de classe média". Ainda assim, se quase 20% dos alunos são ricos, isso significa que eles têm 30 vezes mais renda -segundo balanço da ONU sobre as diferenças de classe no Brasil- do que os quase 40% de pobres. É só fazer os cálculos da injustiça. Com certeza na USP, a mais importante universidade da América Latina e localizada em uma cidade rica como São Paulo, o número de estudantes ricos deve no mínimo triplicar.
Não há qualquer aberração, portanto, na idéia de que os ricos deveriam pagar para estudar nas universidades públicas. Não apenas deveriam pagar como deveria esse dinheiro contribuir para o aumento do número de vagas para pobres.
Certamente reitores e docentes desconsideram essas matemáticas simples (ingênuas diante dos complexos problemas de base da educação brasileira, devem argumentar). Mas tudo o que fazem, há décadas, é repetir o discurso já vazio de significado: a universidade pública e gratuita é "imprescindível" para o país, "defendemos o ensino público e gratuito em todos os níveis".
Não faço aqui a defesa da emenda do deputado Vaz de Lima, que não conheço em detalhes. Duvido inclusive da eficiente aplicação prática de uma lei como essa num país como o nosso -não é difícil imaginar a infinidade de mecanismos de corrupção capazes de deturpar os conceitos de pobreza e riqueza numa seleção de universitários que devessem pagar para estudar.
O que me impressiona é o menosprezo da universidade por certas realidades brasileiras. É a resistência paquiderme, o espírito corporativista trabalhando no escuro, encoberto pela alegação de que tudo é monstro ameaçador querendo interferir na já fabulosa autonomia universitária.

E-mail mfelinto@folha.com.br

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