São Paulo, quinta-feira, 27 de junho de 1996
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Os velhos coquetéis estão voltando à moda

DAVID DREW ZINGG
EM SAMPA

Comigo as coisas sempre acontecem em ciclos.
Na semana passada, contei a você como aquele grande repórter da "New Yorker" que era Joe Mitchell havia ido à grande redação do céu, a versão celestial da Folha.
Nesse "Universo Online", o diretor de Redação não é Otavio Frias Filho, e sim um editor de texto que brande o lápis vermelho final, também conhecido como Deus.
Repórter tio Dave: "Chefe, tive uma idéia que vai dar uma pauta bacana para o 'Universo Online'. Podíamos fazer uma matéria trazendo a público todos os furos daquele livro fajuto, a 'Bíblia' -aquela história da concepção imaculada e todo aquele papo-furado de milagres. Que tal?"
Deus (na primeira instância de censura da imprensa da qual se tem notícia): "Nem pensar! Você pode tentar vender sua idéia para o jornal da oposição. Ouvi falar que tem um editor lá embaixo no porão, chamado Diabo das Impressoras, que paga cachê alto por histórias de chantagem".
Como você talvez se recorde, a anedota da semana passada sobre Joseph Mitchell era situada no legendário restaurante nova-iorquino de um certo Toots Shor, o igualmente legendário "restaurateur" da Grande Maçã.
Aquela era uma época de gigantes, e Toots tinha o "physique du rôle". Media 1,90 metro mesmo depois de tirar os sapatos de seus pés enormes, e tinha um físico capaz de fazer um búfalo muito macho cair de lado e morrer de inveja.
Toots dirigia o reduto das celebridades em Manhattan em plenas décadas de 40 e 50, brilhando de estrelas. Pense nele como uma espécie de Massimo de sua época -divertido, inteligente, generoso e de bom coração.
Toots começou a vida como leão de chácara num famoso night club da rua 52 dirigido por Leon e Eddie, um par de sobreviventes da infame Lei Seca.
Passando o edifício da Associated Press, seu restaurante ficava a apenas meio quarteirão da sede da NBC, onde um tio Dave na época bem mais jovem e mais bonitinho trabalhava como mensageiro na redação da rádio.
Além deste que vos fala, o Shor's tinha uma lista de frequentadores habituais capaz de fazer cair o queixo de qualquer colunista social.
Tudo isso me voltou à mente quando o carteiro me trouxe o número de julho da "Vanity Fair". Algumas horas mais tarde, Larry King entrevistou meu velho amigo, o pianista que lidera uma orquestra society de Nova York: Peter Duchin.
Se você, leitor, estiver se aproximando dos 100 anos de idade, deve recordar-se do pai de Peter, que também liderava uma orquestra society, Eddy Duchin. Caso você nunca tenha dançado com ele, como eu já, talvez tenha visto Tyrone Power representando-o no filme "The Eddy Duchin Story".
O Shor's era meu tipo ideal de lugar. Era um restaurante grande, mas para conseguir comer era preciso passar pelo bar. Esse dispensário mágico era imenso, oval e ocupava o lugar central de honra no hall de entrada da casa.
Você abria a porta de generosas dimensões, situada no nº 51 da rua 51 Oeste, e era recebido por um bando de bebedores de renome. O primeiro e também o mais alto, é claro, era o próprio Toots. Sua mão enorme parecia sempre estar grudada a um copo grande de rye whisky sour, drinque preferido dos nova-iorquinos na época.
À frente do resto do bando costumava ficar o herói do beisebol Joe DiMaggio, aquele que viveu um casamento infeliz com Marilyn Monroe, de quem Otto Preminger comentou, certa noite no Shor's, que "a srta. Monroe era um vácuo com mamilos".
Harry Truman, o último dos verdadeiros presidentes dos EUA, costumava dar uma passada no local para tomar um bourbon com os rapazes, assim como o último dos verdadeiros prefeitos de Nova York, Jimmy Walker, que sempre pedia um uísque mais seco -irlandês.
O diretor gay do FBI, J. Edgar Hoover, aparecia acompanhado de seu assistente (e amigo muito íntimo), Clyde Tolson.
Em volta daquela fonte oval de prazeres se viam postadas figuras como Frank Sinatra (muito mais magro), Bob Hope e Ernest Hemingway. (Apesar do fato de que TODOS os bares do mundo afirmam que "Papa" bebia neles, eu o vi no Shor's com meus próprios olhos que a terra há de comer.)
O grande contista de um jornal nova-iorquino, Jimmy Cannon, costumava se reabastecer no Shor's, assim como Sir Alexander Fleming. Este último era tido como herói pela turma machista do Shor's, dada sua condição de inventor de um remédio que curava doenças sexuais pré-HIV.
Sob um aspecto, Shor era bem diferente de Massimo. Quando a situação exigia uma demonstração de atitude, ele sabia ser arrogante ao extremo, no melhor estilo nova-iorquino.
Certa noite, Charlie Chaplin se encontrava no Shor's havia algum tempo, esperando uma mesa vagar, e já dava sinais de impaciência.
Chaplin foi reclamar com o gigantesco dono do restaurante. "Vai levar pelo menos uns 20 minutos ainda", disse Toots. "Que tal você fazer alguma coisa engraçada enquanto espera?"
Outra noite, o pomposo magnata do cinema Louis B. Mayer também teve que esperar -desta vez, para ser atendido pelo garçom. Mayer ergueu a voz para comentar com seus acompanhantes: "Esta sala é simpática -espero que a comida esteja à altura".
Toots ouviu e se voltou para ele, sorrindo. "Não seja crítico demais -afinal, já assisti a alguns de seus filmes."
As drogas recreativas da moda mudaram e, à medida que as pessoas passavam a fumar e cheirar cada vez mais e beber cada vez menos, o velho lema de Toots Shor foi perdendo sua graça: "Qualquer sujeito que não é capaz de ficar bêbado até a meia-noite só pode estar fazendo corpo mole".
Agora que o círculo escapista se completou, as bebidas alcoólicas e os coquetéis estão voltando à moda.
Então onde diabos está Toots Shor, bem agora que precisamos dele?

Tradução de Clara Allain

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