São Paulo, sábado, 29 de junho de 1996
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Renascença NEGRA

MARCELO REZENDE
DA REDAÇÃO

"Não importa os lugares por onde viaje, você será sempre um negro." O professor Houston Baker Jr. fez do título de seu livro de poemas, lançado em 1979, uma inversão dos clichês. Ele jamais deixará de ser um negro, e, na América de hoje, como nunca antes na história, isso merece uma celebração.
Há, entre tantos exemplos da renascença negra, a poesia do grupo Dark Room Collective. Jovens poetas que se encontraram, quase por acaso, nos funerais do escritor James Baldwin, autor de "Giovani", um dos clássicos da literatura negra norte-americana.
Baldwin foi, ao lado de Ralph Ellison (até hoje o exemplo máximo), um dos que incorporaram ao movimento de igualdade dos direitos dos negros um engajamento cultural, poderosamente artístico.
Mas há ainda, além do orgulho do prêmio Nobel para a romancista Tony Morrison, a popularidade da escritora Terry McMillan; ou a Broadway tomada por temas, atores, dançarinos e coreógrafos afro-americanos; ou também uma paisagem de conflitos sociais, drogas e discursos irados do líder muçulmano Farrakhan.
O cenário do "renascimento da cultura negra americana": "O que mais me interessa é saber o que significa ser um afro-americano neste momento", diz Baker Jr.
Baker é diretor do Centro de Estudos da Literatura e Cultura Negra da Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia.
Autor de várias obras de ensaios sobre a arte, crítica e poética da comunidade afro-americana de seu país, esteve na última semana em visita ao Brasil.
Baker Jr. foi o convidado especial das comemorações mundiais do cinquentenário do programa de intercâmbio internacional Fullbright, onde deu palestras, em universidades brasileiras, sobre seus estudos. E, na pequena sala do auditório Martin Luther King, no consulado norte-americano em São Paulo, falou à Folha sobre a América e os afro-americanos.
Anatole Broyard
No último dia 17 de junho a revista "The New Yorker" chegava às bancas trazendo a história do escritor e crítico Anatole Broyard, que durante décadas foi um dos responsáveis pela resenhas literárias do "The New York Times".
Um intelectual que conseguiu durante toda a vida, pela ajuda da natureza (sua pele era branca) e diversos jogos de erros, esconder de todos os amigos, mulheres e filhos que era um homem negro.
A história desabou sobre a comunidade cultural da cidade. A grande justificativa de Broyard é de queria ser visto não como um escritor negro, mas apenas como um escritor.
"Você pode ser apenas um escritor, pertencente à raça humana. Há essa distinção entre o universal e o particular, e acho que existe uma grande variedade de escritores, artistas e trabalhadores que pode ter uma escolha sobre que papel assumir. Você tem escritores que podem se sentir mais próximos de suas origens e outros que diriam que não podem traçar uma linha direta até suas raízes como um rei na África."
A fala de Baker Jr. ilustra o grande ponto onde o renascimento da cultura negra se apóia. A clara noção de que hoje há possibilidade de escolha, o que talvez Broyard, na Nova York dos anos 40, não tivesse: "Eu acho que os artistas de 27, 28 ou 29 anos têm a capacidade de dizer muitas coisas sobre a situação da sociedade americana. E uma das razões de dizerem essas coisas é que agora eles podem, fruto do movimento de direitos civis na década de 60".
Mas outra das consequências do movimento pela igualdade das raças, há 30 anos, foi o crescimento de uma forte classe média negra em várias regiões americanas. Uma classe que, após o surgimento do politicamente correto no universo acadêmico dos EUA, passou a chamar a si mesma de afro-americana.
O resultado direto foi a possibilidade de uma produção cultural que avançasse além do território comum da música ou cinema, fortalecendo uma rigorosa produção acadêmica que, invariavelmente, se debate sobre a identidade.
"Se eu digo que sou um escritor afro-americano ou que não sou afro-americano, quais as consequências? Eu não sou um artista afro-americano, mas eu nasci um afro-americano. O que significa isso? Que meus trabalhos não contam a história do povo negro na América? Acho que a afirmação das origens tem um grande número de interpretações possíveis."
Farrakhan
Outro efeito direto desse avanço cultural e econômico foi a criação de uma nova estrutura de racismo. Um preconceito que pode, nas palavras do jornalista e escritor Henry Louis Gates Jr., estar contido "nos mecanismos econômicos do capitalismo".
E é nesse momento que entra em cena Louis Farrakhan, o líder da Nação do Islã, responsável pela marcha de 1 milhão de pessoas em Washington. O muçulmano-americano que conseguiu o respeito e o temor em seu país.
"Eu acho que Farrakhan é o único afro-americano na América de hoje que consegue captar o estado de espírito da maioria dos afro-americanos em meu país. Penso que na América há hoje uma verdadeira disordem social. E não apenas em relação aos afro-americanos, mas na sociedade americana em geral. Farrakhan cria então uma nova forma de nacionalismo.
"Ele usa como o 'grande fantasma' os judeus. Ao mesmo tempo, ele é capaz aparecer na TV americana e dizer que a América é o país mais corrupto do mundo, que esse é o país que chacinou o búfalo, assassinou os índios, escravizou o negro. De alguma maneira, ele é o grande líder da maioria."

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