São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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"O romance de Riobaldo é uma espécie descomedida de cetáceo"

"Note bem, não é só pela extensão 'territorial' do trabalho, mas principalmente pela carga de excitação que deflagra, a ansiedade febril que em mim provoca uma tarefa dessas, com seu stress qualitativo, afetivo. Como a amiga já viu, o romance de Riobaldo é uma espécie descomedida de cetáceo, com seu toucinho todo querendo ser de poesia e metafísica. É um livro terrível ; não é à toa que o Diabo é seu personagem. Sua tradução será muitíssimo mais árdua que a de qualquer conto do 'Sagarana', mais cheia de dúvidas, de peculiaridades, de ciladas e remoinhos. Chego a pensar que foi de escrevê-lo e, mais tarde, rever-lhe as provas, que adoeci : eu, que sempre tive pressão baixa, e que agora passei a tê-la verticalíssima... (...) Rever qualquer texto meu, já de si, é qualquer coisa de tremendo, porque o meu incontentamento é crescente, a ânsia da perfectibilidade, fico querendo reformar e reconstruir tudo, é uma verdadeira tortura. Por exemplo, dir-lhe-ei que as 5 edições do 'Sagarana' são todas diferentes, refeitas, remodeladas, remexidas. Por fim, para ver se eu conseguia deixar isso de lado, e me voltava para escrever outros e novos livros, o meu Editor, José Olympio, mandou matrizar ou estereotipar a composição, guardando-a nos chumbos, e impedindo-me assim, de permanecer na classe de Danaide ou Sísifo."

Guimarães Rosa em carta de 23 de abril de 1959 a Harriet de Onís, tradutora para o inglês

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