São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
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Análise redutora do jovem Glauber

AYÊSKA PAULAFREITAS
JÚLIO CÉSAR LOBO

AYÊSKA PAULAFREITAS; JÚLIO CÉSAR LOBO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Autores do livro "Glauber, a Conquista de um Sonho - os Anos Verdes", vimos desfazer equívocos de Lúcia Nagib, no Mais! de 5/5/96.
Segundo Nagib, "se o cinema tem pouca penetração entre os jovens, a literatura terá menos ainda, e não será um livro que irá "esclarecer aos adolescentes quem foi Glauber". Se a premissa não é verdadeira -o cinema, em geral, é bastante apreciado por eles, apenas certos autores, gêneros, temáticas não encontram consumo de massa-, a conclusão é, no mínimo, apressada e derrotista.
Custa-nos crer que uma autora de livros tenha tão pouca fé neles (esta, sim, uma contradição), a ponto de propagar a inutilidade de se produzi-los. Pergunta-se: ela quis dizer que o livro não atingirá seu objetivo porque os jovens não lêem? Nesse caso, devemos cruzar os braços e não mais escrever para eles?
Anos verdes
Nagib queria encontrar "a grande revolução glauberiana, tanto no cinema quanto na teoria cinematográfica mundiais", em um romance de formação, apresentado por nós como uma "viagem pelos anos verdes de Glauber", uma narrativa "do primeiro ciclo de sua vida". E nós é que somos contraditórios...
O leitor menos afobado, no entanto, encontra os alicerces do caráter revolucionário e polêmico de Glauber, formando-se ao longo de uma história pessoal primeiro marcada por mandonismos e violência, depois estimulada pela efervescência cultural de Salvador dos anos 50, no Brasil de JK. Uma juventude marcada pela "existência de dois brasis", ambos importantes na sua formação -se fosse possível fazer uma redução de sua obra, não se constataria o conflito entre traços arcaicos e modernos numa mesma sociedade?
Enfim, esse leitor irá perceber, ainda na juventude de Glauber, na Bahia, a emergência de questões fundamentais (não todas, naturalmente) que irão nortear sua vida/obra. Pergunta-se: não seria "O Pátio", produzido na Bahia, em 58, um filme revolucionário? E o que se diz de "Barravento"? Ou supõe-se que apenas a grande metrópole pode legitimar um caráter revolucionário?
A articulista questiona, também, o gênero e a linguagem, que estariam comprometendo a "confiabilidade das informações". Profissional mais voltada para o cinema do que para a literatura, o leu sob uma perspectiva reduzida. O livro é um romance biográfico, ou seja, uma narrativa -não uma descrição ou dissertação- em prosa de ficção baseada em fatos e personagens reais.
Perspectiva de totalidade
Para levantar informações, utilizamos técnicas de pesquisa, mas jamais houve o compromisso de fazer ciência. Não se trata de uma tese, mas de um romance, no qual mostram-se aspectos objetivos e subjetivos de uma realidade, que será sempre plural, em número no mínimo igual ao de seus espectadores. Quem já trabalhou com informantes sabe quantas versões se pode colher de um mesmo fato, e nós estamos abertos a essas "verdades" porque olhamos a realidade sob uma perspectiva de totalidade.
Sabemos que não existem verdades absolutas; nem na vida, nem na história, nem na história de Glauber, muito menos no romance. Mas, se o que compromete a confiabilidade é a linguagem, voltamos a lembrar que o livro não é destinado à comunidade acadêmica, mas aos jovens leitores, os mesmos que Nagib afirma não gostarem de ir ao cinema, muito menos de ler. Nesse caso, não seria insensato apresentar-lhes um livro em linguagem hermética? Finalmente, não ficou bem claro, o que ela quis dizer com "ficção empobrecedora". Ficcionalizar a vida de Glauber a tornou mais pobre? Diminuiu a dimensão do artista? Ou toda ficção empobrece?
Em vista de tanto mal-entendido, resta-nos acreditar que a leitura da articulista foi prejudicada pelo fato de o livro transitar, com certa liberdade, entre gêneros. Tentar captá-lo através de uma só ótica não seria uma redução?

Ayêska Paulafreitas e Júlio César Lobo são autores da biografia "Glauber, a Conquista de um Sonho - os Anos Verdes" (Ed. Dimensão).

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