São Paulo, domingo, 30 de junho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O real, o social e o futuro

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

O Plano Real completa, amanhã, dois anos, e meu governo, um ano e meio. É muito pouco tempo para um país que, embora rico e generoso, tem às costas cinco séculos de atraso. No entanto uma caminhada começa sempre com o primeiro passo. Nestes dois anos de real, já demos passos imensos.
O Plano Real não se limitou à derrubada da inflação, nem à estabilização da moeda, como se isso fosse um fim e não apenas um meio.
O consumo de alimentos cresceu. Milhões de brasileiros começaram a consumir -talvez pela primeira vez- proteína animal com uma certa frequência. O frango e os ovos chegaram -e continuam- baratos à mesa dos pobres. Segundo o Ipea, o número de pobres nas seis maiores regiões metropolitanas do país caiu de 16 milhões para 11 milhões desde julho de 94. Recentes medidas de facilitação do crédito permitiram também que 12 milhões de famílias passassem a ter acesso ao mercado de consumo.
A renda nacional, garantida pela moeda estável, também permitiu que milhões de brasileiros construíssem ou melhorassem suas casas. No ano passado, as vendas de cimento cresceram 12%. O preço do saco de cimento caiu de R$ 5,10 para R$ 4,79, e estudos indicam que mais da metade das 28 milhões de sacas produzidas em 95 foi utilizada por pessoas que construíram, sozinhas, as suas casas. Em 95, os supermercados faturaram R$ 43,7 bilhões, 14% a mais do que no ano anterior. As vendas de eletroeletrônicos surpreendem os próprios fabricantes: cresceram 49,5% nos cinco primeiros meses de 96, em relação ao mesmo período de 95. Só o setor de som e imagem é recordista, com 72,46%.
Por esses dados, podemos ver que o real não é um pesadelo, como queriam alguns derrotistas. O Brasil não se tornou o mais ocidental dos países africanos, como previram -com mau gosto- alguns saudosistas. Ao contrário. Depois de funcionar durante algumas décadas no Brasil, o Programa Mundial de Alimentação da ONU está encerrando suas atividades aqui. De receptor, o Brasil passa a doador de alimentos.
No terceiro ano do Plano Real, meu governo tem duas metas. A primeira é a reforma do Estado que, hoje, reproduz em seu microcosmo a perversa concentração de renda da sociedade brasileira. Na Previdência Social, por exemplo, uma minoria consome pensões e aposentadorias suecas enquanto 95% dos trabalhadores recebem benefícios irrisórios. Que tal democratizar essas conquistas sociais? Por que funcionários públicos ou das estatais devem receber 20% a mais em seus salários quando se aposentam enquanto o aposentado comum vê emagrecer a sua renda?
A segunda meta é a expansão do emprego e do desenvolvimento. Para isso, estabelecemos algumas metas arrojadas, mas claras.
O Pró-Emprego, que vai beneficiar o saneamento ambiental, a infra-estrutura turística, o transporte coletivo urbano e a revitalização de subsetores industriais, deve gerar 2,7 milhões de empregos até 1999. Serão R$ 6 bilhões de investimentos nesse setor. No âmbito do Ministério do Trabalho, o Programa de Geração de Emprego prevê investimentos da ordem de R$ 1,16 bilhão na geração de cerca de mais 150 mil empregos. Ainda este ano, o governo está investindo outros R$ 300 milhões em programas de formação e reciclagem profissionais. Mais R$ 600 milhões serão gastos nesta área em 1997 e 1998.
Nesta sexta-feira, anunciei o plano de financiamento da safra 96/97. Foram liberados R$ 3,8 bilhões, 40% a mais do que os R$ 2,7 bilhões para a safra anterior. Quantos empregos isso representa no campo?
Por outro lado, o Brasil volta a se tornar um país atraente ao investimento privado, que também gera empregos. Só nos primeiros quatro meses de 1996, os investimentos estrangeiros diretos na construção ou ampliação de fábricas e compra de reforma de máquinas e equipamentos bateram um recorde histórico. Os US$ 2,029 bilhões que entraram nesse período são 91% superiores em relação a 1995, quando aqui entrou US$ 1,059 bilhão. Até o final do ano, o governo espera atrair, pelo menos, US$ 7 bilhões em investimentos. Por exemplo, a construção da quinta fábrica da Volkswagen no Brasil deve gerar 5.000 empregos diretos.
Ainda em junho, o BNDES lançou uma linha de crédito de R$ 1 bilhão para financiar as exportações do país. Isso representa, em um ano, a geração de 50 mil empregos. O BNDES também anunciou uma outra linha de crédito de R$ 500 milhões para financiar a pequena e a microempresa. São elas que mais têm condições de gerar emprego.
Em 1997, com a quebra dos monopólios estatais na energia elétrica, petróleo e telecomunicações, o Brasil deve atrair US$ 10 bilhões em investimentos estrangeiros nessa área. Tudo isso significa a geração de milhares de novos empregos diretos e indiretos.
Nos próximos três anos, o BID vai investir US$ 6 bilhões no Brasil. O combate à pobreza vai representar 47% desse valor. Outros 35% irão para a infra-estrutura e 18% para a modernização dos Estados. Só a área da saúde vai receber US$ 600 milhões para a reforma e reequipamento de hospitais e postos de saúde.
No alvorecer do terceiro ano do Plano Real, tenho motivos para confiar e continuo confiando. O Brasil vai dar certo. O povo brasileiro merece entrar e vai entrar no século 21 com um país mais rico, mais generoso, mais justo e solidário.

Texto Anterior: Liberdade cerceada
Próximo Texto: Esterilização, aborto e homossexuais
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.