São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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O risco do câmbio (1)

CELSO PINTO

Existe uma probabilidade entre 66% e 77% de o Brasil ter de fazer uma desvalorização cambial no futuro, para corrigir a sobrevalorização do câmbio gerada por sua política de estabilização. Essa é a conclusão possível a partir da análise do que aconteceu em 93 países, no período de 1960 a 1994.
O estudo, muito interessante, foi feito pelo economista brasileiro Ilan Goldfajn, professor da Universidade de Brandeis, em Boston, junto com o economista chileno Rodrigo Valdés, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), também de Boston. Ambos foram autores, com Rudiger Dornbusch, do MIT, de um estudo sobre colapsos e crises monetárias que foi a base dos comentários recenes de Dornbusch sobre o Brasil.
Ilan fez o que nunca havia sido feito: quantificou todos os casos de sobrevalorização (443), em 34 anos, em 93 países, para ver em quantos houve um desfecho não-traumático. As conclusões são muito claras.
Usando um conceito mais simples de sobrevalorização, quando ela chega a 15%, as chances de uma saída suave são de 22%; com 20%, as chances são de 13%; com 25%, elas caem para 10%; e com 30% e 35%, são menos de 6%. Usando um conceito mais complexo, explicado abaixo, não há um único caso de saída suave com sobrevalorização de 35%.
O estudo inclui, sem mencionar especificamente, o caso brasileiro até 94. Ilan fez, contudo, um exercício, usando a mesma metodologia do trabalho, para saber de quanto seria a sobrevalorização do câmbio hoje. Sua conclusão é que o câmbio está sobrevalorizado, pelo conceito mais simples, em 21%, o que, usando o parâmetro do estudo, indica 77% de chances de uma desvalorização futura.
Nem sempre a desvalorização corretiva implica num colapso de grandes proporções, com crise econômica, como aconteceu com o México em 94. Em todos os casos, no entanto, ela envolve custos, como o da credibilidade do governo.
O estudo mostra ainda que a duração média é de dois anos e normalmente o final do processo é abrupto: a volta do câmbio ao ponto de equilíbrio leva muito menos tempo do que o processo de sobrevalorização. A maioria dos casos ocorreu depois de 1975.
Outra conclusão é que, quanto mais longo o período em que o câmbio está sobrevalorizado, maiores são as chances de um colapso. No exercício feito com o Brasil, a sobrevalorização fica mais aguda a partir de 94.
Câmbio é um terreno muito escorregadio entre os economistas, e Ilan é o primeiro a admitir. Muitos economistas nem sequer aceitam o conceito de sobrevalorização, e a maioria briga em relação à quantificação: para dizer que há um desequilíbrio, é preciso dizer quando o câmbio esteve equilibrado e por que.
O ponto de partida de Ilan é o conceito de Paridade de Poder de Compra (PPP, na sigla em inglês), que diz que, excluídos os efeitos das tarifas e do custo de transporte, o preço de uma cesta de bens que podem ser importados entre dois países deve se equivaler. Daí porque faria sentido comparar a variação dos preços por atacado (IPA) de um país com o de outros países, ponderada pelo peso desses países no comércio. Se a inflação interna for maior, e o câmbio não acompanhar, ele se valoriza.
Ainda assim, resta um problema: como determinar quando o câmbio está em equilíbrio? Ilan considerou o período de 34 anos e deixou os dados indicarem a trajetória esperada, descontado o fato de que há uma tendência histórica a uma certa valorização do câmbio. É esse exercício que indica uma sobrevalorização de 21% no câmbio brasileiro hoje (e uma superdesvalorização nos anos 80).
É possível sofisticar essa definição, considerando três fatores que podem levar a uma subida no câmbio: os termos de troca do comércio, os gastos do governo e o grau de abertura da economia. Usando essa peneira mais fina, a sobrevalorização hoje do Brasil seria de 14%. Nesse caso, as chances de acabar em desvalorização iriam para 66%.
O trabalho define o início dos episódios de sobrevalorização quando o câmbio está pelo menos 15% acima do equilíbrio e o fim quando ele volta a menos de 5%. A alternativa "suave" para a volta é conseguir chegar lá obtendo diferenciais favoráveis de inflação em relação aos parceiros externos.
Domingo, comento a questão da produtividade como saída para o câmbio.

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