São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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Autocrítica sem correção

LUÍS NASSIF

A lógica brasileira é curiosa. Nesta semana, pela primeira vez, o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, admitiu os erros cometidos na condução da política cambial.
Revelou que, no final de 1994, praticamente toda a equipe econômica defendia mudanças na política cambial. Exceção para o diretor da área internacional do Banco Central, Gustavo Franco -que era a favor da política-, e para o ministro da Fazenda, Pedro Malan -que não era nem contra nem a favor, muito pelo contrário.
O presidente explicou as contingências que levaram à manutenção da política e, posteriormente, à timidez das correções posteriores.
Se a apreciação do câmbio foi decorrência de problemas contingenciais, o mínimo que se esperaria, daqui para a frente, seria não aprofundar mais esses desequilíbrios.
No entanto, no trabalho "Cenário e Projeções 96-98", do Banco Central -antecipado na semana passada por Celso Pinto-, fica claro que não só não se pensa em corrigir eventuais desequilíbrios como se aprofunda o processo de apreciação do real.
IGP e IPA
O ponto central desse desequilíbrio é simples. O BC teima em continuar balizando o câmbio pelo Índice de Preços por Atacado (IPA), enquanto os juros internos tomam como referência, de alguma maneira, o Índice Geral de Preços (IGP) -que reflete os preços internos.
O IPA é um índice exclusivo de preços dos produtores. Alega o BC que, se o câmbio acompanha o IPA, e o IPA acompanha os custos de produção, não há como alegar defasagem.
Trata-se de uma falácia. Quando se aprecia o câmbio, ocorrem dois movimentos simultâneos. Numa quadra, há uma redução nos preços dos produtos importados, que ajudam a puxar o IPA para baixo. Ou seja, sem os importados, o IPA seria maior.
Além disso, se os preços externos ficam mais baixos, acabam condicionando o comportamento dos preços internos. Eles ficam contidos não porque os custos baixaram, mas porque não há demanda nem condição de enfrentar o barateamento dos preços internacionais.
Como consequência, durante algum tempo a empresa vende abaixo do custo. Depois, quebra.
É só conferir nas ruas e nas estatísticas o preço do ajuste.
Financiamento
Com todas as limitações metodológicas, é o IGP que reflete o nível de preços internos. A cada descolada em relação ao câmbio, significa que os preços externos ficaram mais baixos ainda frente aos preços internos.
No entanto, a programação do BC para 1996 registra IGP de 11,58% para variação cambial de 5,94%; para 97, IGP de 7,43% para câmbio de 4,28%. Ou seja, aprofundam-se os desajustes.
Tem mais. Um dos componentes principais de custo é a taxa de financiamento. Importações são financiadas a 12 meses, a custo de 6% ao ano mais a variação cambial de, digamos, 6%. Ao final de 12 meses, por cada cem comprados pagam-se 112,36.
Não há linhas disponíveis de financiamento interno de 12 meses. Mesmo se a empresa resolvesse bancar, não sairia por menos de 45% ao ano.
Só o fator financiamento, portanto, reduz o preço do produto importado em 30%.
Em suma, autocrítica é relevante quando possibilita a correção do erro.

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