São Paulo, sexta-feira, 5 de julho de 1996
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Suzana preferiu uísque ao coco verde

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A comida vem se transformando, desde os anos 80, em um fenômeno discutido, polemizado, analisado... completamente separado da força vital que a gerou: a fome. Não se fala em fome. Fome não tem nada a ver com o assunto. A comida foi elevada ao status de arte e arte necessária para se adquirir status.
Hoje, viajamos para comer. Temos aulas na Provence, com um professor francês saído das páginas de Peter Mayle, e o japonês Nobu se junta a Marcela Hazan em Veneza, para um curso ítalo-peruano-japonês.
Por que me lembrei deste assunto? Foi quando vi Suzana Marcolino sentada na piscina de PC, com a mão no ombro dele. No rosto uma beatitude de normalista ou contadora no dia da formatura. "Mamãe, eu consegui".
O brilho nos olhos, o corpo ereto, a mocinha de Alagoas era o orgulho em pessoa. Em que dia, em que época de sua vida produziu-se esta química, instaurou-se na cabeça da morena espetaculosa que a piscina de PC era melhor que o marzão de Maceió? Que os jeans desbotados não eram nada perto da roupa de oncinha, do salto alto, da jaqueta de couro brilhante, da bota de verniz? Quando é, a não ser nos dias de hoje, que a cliente de boca aberta, sofrendo para tirar o tártaro, se lembra de convidar o dentista... para jantar?
O dentista de queixo grande sabia das coisas. Escolheu um restaurante bom, "low profile", com ênfase em comida de avó.
Quando foi pegar a moça ela estava vestida de gala. Jantar fora era um programa de gala. Não era o dentista que ela queria, senão teria enfrentado uma churrascaria em Santo André, com o bonitão a seu lado.
Queria a experiência gastronômica dos anos 90. Tanto que o dentista, entrevistado, confessou que chegou a se entediar. Não namorou, não conversou sobre a vida dela, sobre a vida dele. Deu a entender que a única coisa que ficou sabendo sobre ela é que era enjoada para comer e exigente.
Pensou muito antes de escolher e escolheu qualquer coisa com funghi. Funghi é chique. Pediu champanhe. O rapaz estranhou e sugeriu vinho. Ela deu uma aula de safras. No dia seguinte, à noite iria tomar vinho e champanhe melhores e um uísque de 65 anos. E isto se tornara importante para ela.
Foram embora para casa. Na frente de onde, por Deus do céu, a menina quis passar? Como num templo? Em frente ao Fasano para ver a porta do Fasano, a porta, acreditem... É claro.
Ela foi ao Carlota, mas frustrou-se. Onde estava o brilho, os homens de gravata, as mulheres de jóias? E o risoto famoso? E a polenta de semolina? E o cotecchino italiano? O último presunto? O champanhe borbulhando na flÛte?
Menina, enganaram você. O camarão com coco, a patinha de caranguejo, o siri-mole, a caipirinha da praia, o feijão de cada dia poderiam ter feito de você uma pessoa mais feliz. E ainda por cima viva.

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