São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 1996
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É DE CHORAR

Autópsia realizada com faca de cozinha devido à falta de bisturi. Temperatura dos corpos (fundamental para determinar a hora da morte) auferida não com um termômetro, mas com a mão do legista sobre a testa dos cadáveres, como as mães fazem com as crianças para decidir se utilizam ou não o termômetro.
Trata-se da necropsia dos corpos de um misterioso assassinato ocorrido entre membros de um grupo perdido na selva amazônica? Não, é a autópsia de uma das pessoas mais conhecidas do país e realizada no IML da capital de uma das unidades federativas do Brasil, ainda que seja um Estado pobre como Alagoas.
Sem bisturi e termômetro, é até natural que o IML de Maceió não disponha de um microscópio, um afastador, equipamentos para testes toxicológicos e histológicos, itens básicos para qualquer exame cadavérico minimamente consistente.
A geladeira tem três gavetas. "Mas, se os corpos forem magrinhos, dá para colocar até seis cadáveres", afirma Marco Antônio Peixoto, diretor do instituto, que recebe R$ 107,10 mensais, mas o último salário que lhe foi pago foi o de março.
Se esse é o retrato do IML de uma das capitais brasileiras, o que não imaginar dos grotões do país. Nessas condições, não causa espanto que muitos dos mais hediondos crimes -o crime contra a vida- fiquem sem solução, criando um ciclo de impunidade que apenas aumenta cada vez mais a espiral de violência.
O grande jurista italiano Cesare Beccaria já afirmava, no século 18: "Um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade". Desgraçadamente, o Brasil ainda está muito longe de acabar com a impunidade.

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