São Paulo, quinta-feira, 11 de julho de 1996
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Economia solidária contra o desemprego

PAUL SINGER

No Brasil, como nos outros países, o desemprego tornou-se a principal patologia social e, para combatê-lo, a estratégia mais aplicada é habilitar profissionalmente os desempregados e proporcionar-lhes algum capital para que possam auto-empregar-se por meio de atividade por conta própria ou estabelecimento de pequena empresa.
A crescente globalização das economias nacionais praticamente elimina a possibilidade de fazer políticas macroeconômicas de expansão da demanda para recuperar o nível de emprego. Só dá para crescer por meio da expansão das exportações em ritmo maior que as importações, o que evidentemente é impossível para todos os países.
A situação é pior em países, como o nosso, cujo controle da inflação é feito mediante importação em grande escala. O prosseguimento da sobrevalorização cambial, de juros elevados e arrocho salarial inevitavelmente produzirá mais desemprego nos próximos meses e anos. Acontece que a estratégia, que por contraste podemos chamar de "microeconômica", de combater o desemprego mediante a transformação dos desempregados em microempresários ou autônomos dá, em geral, resultados desalentadores.
A grande maioria dos que tentam essa via fracassa e, em pouco tempo, cai na economia informal, sabidamente congestionada, ou volta ao status de desempregado. Se não fosse assim, as taxas de desemprego na maioria dos países europeus já teriam caído há bastante tempo. Há diversas razões para isso, desde o domínio de muitos mercados por empresas grandes, cuja vantagem está nos ganhos de escala, até a inexperiência dos novos microempresários e o fato de carecerem de credibilidade junto à clientela potencial.
Qualquer empreendimento necessita de algum tempo até atingir um grau normal de desempenho, o chamado "período de aprendizagem". A grande maioria dos ex-desempregados, forçada a entrar nos poucos mercados em que o ganho de escala não conta e que, via de regra, já estão saturados, simplesmente não sobrevive a esse período, inclusive porque a falta de compradores não permite que haja de fato aprendizagem.
Para que a estratégia "microeconômica" de combate ao desemprego tenha êxito é preciso inserir os novos pequenos empresários num setor econômico especialmente projetado para maximizar suas chances de sucesso, o qual terá que se caracterizar pela solidariedade entre os seus integrantes.
A primeira manifestação de solidariedade deve ser a preferência dada mutuamente pelos produtos do próprio setor. Cada empresário da economia solidária gastará a receita de suas vendas efetuadas dentro do setor comprando de outras empresas pertencentes ao mesmo. Desse modo, os novos pequenos empresários contarão com um mercado protegido, formado por eles próprios, que lhes possibilitará ganhar a eficiência e a credibilidade de que necessitam.
É claro que a economia solidária terá que ser bastante ampla para comportar grande diversidade de empresas industriais, comerciais e prestadoras de serviços, de modo que cada integrante possa satisfazer muitas de suas necessidades dentro dela. Mais do que isso, é vital que dentro da economia solidária haja competição entre empresas para que todas sejam estimuladas a oferecer produtos mais em conta e de melhor qualidade.
Para evitar um pesado esquema de fiscalização, o mais simples, para garantir que a renda gerada realimente o setor, é adotar uma moeda que só valha integralmente dentro dele. Mesmo que, inicialmente, os produtos da economia solidária sejam mais caros que os de fora, não haverá prejuízo, pois os consumidores só têm como alternativa o desemprego, em que nada produzem e nada consomem.
A economia solidária poderá de fato viabilizar uma segunda acumulação de capital, que reintegre a massa de desempregados à vida econômica, desde que ela seja criada e desenvolvida pelo poder público, com apoio dos setores organizados vitalmente interessados no combate ao desemprego.
Além de proporcionar aos pequenos empreendedores um mercado protegido, a economia solidária deverá oferecer: crédito, mesmo aos que não possam oferecer garantias, por meio de um Banco do Povo; treinamento e assistência tecnológicos; informações e orientação que maximizem a complementaridade entre as unidades integrantes etc. Em suma, ao quebrar o isolamento do pequeno operador, a economia solidária lhe confere condições favoráveis de sucesso.
Esse projeto complementará outros, como Renda Mínima Garantida e Banco do Povo, que integram a plataforma de Luiza Erundina, candidata a prefeita de São Paulo.

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