São Paulo, sexta-feira, 12 de julho de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Gonin" relança o policial japonês

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A fama de "Gonin" começa com um mal-entendido: o de que seu autor, Takashi Ishii, seria o Quentin Tarantino japonês.
A única semelhança entre ambos, a rigor, é que "Gonin" é um filme com bastante violência.
No mais, Ishii não tem o talento exuberante de Tarantino (mas o que tem é suficiente), nem sua ascensão foi fulminante como a do cineasta norte-americano (este é seu sétimo longa, de uma carreira em que os filmes com caráter erótico dão o tom).
Mesmo o fato de conter uma pilha de mortes não faz de "Gonin" uma versão nipônica de um "Cães de Aluguel".
Falta-lhe, por exemplo, o cinismo que leva os personagens de Tarantino a observarem o assassinato como um fato tão trivial quanto levar as roupas à lavanderia da esquina.
Niilismo seria, talvez, uma boa palavra para definir a história de Bandai (Koichi Sato), dono de uma casa noturna em dívida com a Yakuza, a célebre máfia japonesa.
Na pendura, Bandai junta um grupo de cinco pessoas para mudar o destino, assaltando ninguém menos que uma sede da Yakuza. É evidente que os mafiosos não vão querer deixar o fato impune.
A série de fatos que se sucede tem a virtude de mostrar a quebra de laços de solidariedade numa sociedade que até aqui tem se apoiado sobre figuras como ritualística e obediência.
Isto é, Ishii observa um Japão em que velhos conceitos são soterrados, sem que por isso outros surjam no lugar. É uma visão extremamente pessimista, próxima da que se pode encontrar no cinema de um Eizo Sugawa: é um mundo que se decompõe, onde nenhuma estabilidade parece possível.
Não por acaso, um dos personagens centrais será Ogiwara (Naoto Takenaka), um pobre coitado demitido da empresa em que trabalhou por 20 anos.
Com domínio admirável da linguagem, Ishii dá vida a uma série de tipos de Shinjuku, o distrito boêmio de Tóquio.
O menos significativo deles não é, com certeza, Mitsuya (Masahiro Motoki), belo homossexual que acompanhará Bandai em suas aventuras e desventuras.
Com esse material, Ishii empilha uma série de sequências fortes, não raro misturando na mesma cena real e imaginário. Talvez a mais notável, nesse registro, seja aquela em que um homem chega em sua casa e encontra a família morta -momento que dá a ver a desenvoltura do cineasta.
Esse é só um exemplo, mas nem tão aleatório assim: se "Gonin" observa um Japão em que velhos laços se afrouxam, o contraponto a esse fenômeno é a existência de outros laços (em geral afetivos), que servem como parâmetro à ação dos personagens.
"Gonin" é um filme extremamente físico (nisso lembra um pouco o norte-americano Samuel Fuller), que revela ao Ocidente (ou ao Brasil, em todo caso) um cineasta nada acomodatício, que sabe ser incômodo sem fazer dessa característica um ponto programático.
"Gonin" perde um pouco de sua força em função da fotografia estilizante, que resulta um tanto encarvoada.
É muito pouco para invalidar um filme de idéias consequentes e realização forte.

Filme: Gonin
Produção: Japão, 1995, 109 min.
Direção: Takashi Ishii
Com: Koichi Sato, Msahiro Motoki, Naoto Takenata, Takeshi 'Beat' Kitano Quando: a partir de hoje Onde: no Espaço Unibanco/sala 3

Texto Anterior: "Missão" dá fôlego à moda
Próximo Texto: "As Bacantes" reestréia no Oficina
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.