São Paulo, quarta-feira, 17 de julho de 1996
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Barriga de ladrão

GILBERTO DIMENSTEIN

A gravidez de adolescentes custa anualmente US$ 1 bilhão aos norte-americanos apenas para construir novas prisões.
Ao traduzir em números a relação entre partos e cadeia, os EUA mostram que estão fabricando um novo inimigo, capaz de produzir violência e torrar o dinheiro do contribuinte: a adolescente solteira que virou mãe.
Divulgada pela Casa Branca, uma pesquisa afirma ser maior a tendência de criminosos saírem da barriga de jovens mães solteiras.
Num cálculo cheio de equações matemáticas, imagina-se que, dos 500 mil bebês nascidos de adolescentes (72% solteiras), uma porcentagem cairia inexoravelmente no crime -e, portanto, a cada geração corresponderiam novas celas.
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Segundo o estudo, a conta total tiraria do contribuinte anualmente cerca de US$ 7 bilhões. Aí se inclui, por exemplo, a ajuda à grávida que, por não trabalhar, recebe um salário do governo.
Eles contabilizariam dupla perda: de um lado, o benefício social e, de outro, a perda de produtividade na economia, já que ela parou de trabalhar.
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Para aumentar mais o rancor contra a adolescente grávida, estudos indicam que alunos fracos, com propensão à repetência e evasão, vêm de famílias desestruturadas.
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Desconfio dos raciocínios que culpam o termômetro pela febre e partem da idéia de que a vítima é a culpada. Pergunta óbvia: filhos de solteiras com maior poder aquisitivo caem na delinquência?
Não. Então, o problema básico não é a gravidez, mas emprego, renda, capacidade de manter o filho na escola, apoio emocional, perspectiva de progresso individual.
Apenas uma mula-sem-cabeça, porém, não consideraria a falta de planejamento familiar como um dos ingredientes que estimulam o círculo da miséria -e, nesse ponto, está uma das omissões mais criminosas no Brasil.
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Qualquer indivíduo com um mínimo de informações sobre crescimento populacional sabe que um dos melhores investimentos sociais que um país pode fazer é a educação das meninas. O que significa aulas de prevenção de gravidez, sexualidade, além da distribuição de métodos anticoncepcionais.
Mulheres educadas têm menos filhos, sabem prevenir-se contra doenças, estimulam os filhos a ficar nas escolas, geram renda, aumentando a riqueza de um país.
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O Brasil teve a sorte de colocar como primeira-dama uma antropóloga que conhece a fundo a questão populacional e, sinceramente, é preocupada com a crise social.
É um investimento barato; mais barato do que os bilhões drenados aos bancos. Mesmo assim pouco se faz. Justamente por causa disso, segundo o IBGE, 500 mil crianças nascem por ano, filhas de mulheres entre 16 e 19 anos.
A maioria delas tem um estímulo extra para continuar pobres.
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PS - Países que há 30 anos exibiam o mesmo nível de pobreza, mas investiram em educação básica e planejamento familiar, têm hoje mais do que o dobro da riqueza por habitante.

E-mail GDimen@aol.com
Fax (001-212)873-1045

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