São Paulo, quinta-feira, 18 de julho de 1996
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FHC vive dia de brasileiro caipira na viagem a Lisboa

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LISBOA

As viagens ao exterior do presidente Fernando Henrique Cardoso acabam se transformando em comprovação ambulante de sua tese de que o brasileiro é "caipira", no sentido de voltado exclusivamente para o próprio país.
Só se fala, nessas viagens, de assuntos internos, em meio a cenas de jornalismo explícito: o presidente caminhando, cercado por uma nuvem de repórteres, cinegrafistas, fotógrafos, seguranças, assessores, fios e microfones.
Exemplos de ontem, entre o manuelino Mosteiro dos Jerónimos, onde o presidente almoçou, e o Centro Cultural de Belém, onde se realizou a cúpula de criação da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa):
Sobre a falta de multas na lei federal anti-fumo: "Haverá uma regulamentação federal em breve".
Sobre o Bamerindus: "Não sei de nada de Bamerindus. A área financeira é que resolve".
Sobre o suposto aumento de 5% no salário-mínimo do funcionalismo: "Vocês é que inventaram".
As banalidades chegam a tal ponto que FHC se permitiu lembrar que a CPMF é provisória, como se o nome não bastasse (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).
Culpa dos jornalistas? Também. Não há assunto ocorrendo no Brasil, trivial ou importante, que não se transforme em pergunta.
É inevitável que não sobre tempo para se falar sobre as viagens.
Tão inevitável que a assessora de imprensa, Ana Tavares, até comemorou quando surgiu, por fim, uma pergunta sobre a CPLP e o aumento nos recursos brasileiros para projetos com os cinco sócios africanos (ver texto à pág 1-5).
Mas a resposta do presidente retomou o tema da caipirice. "É para mostrar que estamos de olhos abertos para o mundo. Mostrar que minha tese está errada."
A culpa é também da própria Presidência, ainda mais se considerados os antecedentes.
Logo após a vitória eleitoral de 1994, FHC anunciara a linha mestra da comunicação de seu governo: teria um porta-voz que estivesse de fato informado sobre todos os temas do governo.
Mas, na prática, ou o porta-voz (Sergio Amaral) não viaja com o presidente, como acontece desta vez, ou não tem informações.
Consequência: sobra só o presidente para ser interrogado sobre tudo, até sobre temas, como o suposto aumento do mínimo para o funcionalismo, que são típicos do escalão inferior.
O festival de "caipirice" acaba dando uma volta completa sobre si mesmo, quando reaparece uma pergunta sobre o assunto. FHC dá a mesma resposta da véspera: "Eu disse uma coisa simpática, que o Brasil não é um país arrogante, não desdenha outros países, mas está preocupado com ele próprio".
O festival termina com uma piadinha fraca, mas adequada: "Eu gosto de Chitãozinho e Xororó".

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