São Paulo, sábado, 20 de julho de 1996
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Justiça e direitos humanos

ALVARO LAZZARINI

O Programa Nacional de Direitos Humanos causa estranheza ao atribuir à Justiça Federal competência para julgar os crimes praticados em detrimento de bens ou interesses sob tutela de órgão federal de proteção a direitos humanos, o mesmo ocorrendo com as causas civis ou criminais nas quais o referido órgão ou o procurador-geral da República manifeste interesse.
Essa previsão materializou-se na PEC 368/96 e daí o repúdio que, a nosso requerimento, foi registrado em ata do plenário do Tribunal de Justiça de São Paulo, com adesão de todos desembargadores do Órgão Especial (os 25 mais antigos da Corte).
Grave o equívoco do governo federal ao formular e justificar a PEC 368/96, que atribui competência à Justiça Federal para julgar crimes contra direitos humanos. Sem resposta técnica à questão dos direitos humanos, o governo optou por saída simplista, que propõe deixar ao órgão federal de proteção dos direitos humanos ou ao procurador-Geral da República o arbítrio do deslocamento da competência da Justiça Estadual para a Justiça Federal.
A exposição de motivos encerra uma grave, mas leviana, acusação à Justiça Estadual, ao afirmar que "as lesões aos direitos humanos ficaram sob a égide do aparelhamento policial e judicial dos Estados federados que, em face de razões históricas, culturais, econômicas e sociais, têm marcado sua atuação significantemente distanciada dessa temática".
O Brasil é uma República Federativa (art. 1º CF). A PEC 368/96 violenta essa cláusula pétrea e não poderá ser objeto de deliberação por abolir a forma federativa (art. 60, parágrafo 4º, I, CF) ao retirar competência da Justiça Estadual no julgamento dos indefinidos crimes contra direitos humanos.
Não se pode admitir que a jurisdição estadual sujeite-se ao arbítrio de órgão federal que, se não satisfeito por questões de qualquer ordem, mostre interesse por esta ou aquela decisão, deslocando a competência das causas civis ou criminais para a Justiça Federal. Será uma indevida e ilegítima ingerência federal nos Estados federados. Será verdadeira intervenção federal.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, instalado no Império, tem gloriosas tradições de luta pelo direito e pela Justiça, inclusive com atuação marcante na Revolução Constitucionalista de 1932.
Sempre mostrou independência nos anos que se seguiram a 31 de março de 1964. Foi do seu Plenário que, nos anos 1970/1971, partiu a ordem de luta sem trégua ao "Esquadrão da Morte", tendo o Des. Nelson Fonseca, então Juiz de Direito, presidido as investigações, e o Des. Dirceu de Mello, como promotor de Justiça, oficiado nessas investigações em nome do Ministério Público, de notáveis tradições em São Paulo.
Daí merecer nossa rejeição a PEC 386/96, ora em tramitação no Congresso Nacional.

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