São Paulo, sábado, 20 de julho de 1996
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CAMUS

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de 45 anos o leitor brasileiro poderá finalmente descobrir o que levou o filósofo Jean-Paul Sartre a dizer que Albert Camus sofria de "incompetência filosófica".
A editora Record publicará em novembro "O Homem Revoltado" (1951), obra do argelino Camus que proporcionou um dos mais violentos debates intelectuais, na visão de seus próprios protagonistas, da França do pós-guerra.
O ensaio de Camus sobre a moral e o engajamento faz parte de um projeto da Record para reeditar as principais obras do escritor pertencentes ao catálogo da editora.
Uma revisão da tradução, feita por Valerie Rumjanek, e um novo tratamento gráfico das capas fazem parte do Camus que o leitor já pode achar nas livrarias.
Dois títulos já podem ser encontrados: "A Queda", lançado originalmente em 56 pela editora Gallimard, e "A Peste" (1947), a cruel metáfora sobre a ocupação alemã durante a Segunda Guerra.
No próximo mês (leia quadro ao lado), será a vez de seu mais famoso romance, "O Estrangeiro" (1942), que fez de Camus, para a mídia francesa, o tipo rebelde, feroz e atraente como uma estrela do cinema norte-americano.
Sua semelhança com o ator Humphrey Bogart, que segundo amigos ele adorava cultivar, chamava a atenção tanto das sisudas revistas marxistas quanto das editoras de moda da Elle francesa.
Uma Vida
O projeto de reedições terminará no próximo ano, quando a Record lançará "Albert Camus, Uma Vida", biografia lançada em fevereiro na França, um dos sucessos editoriais franceses neste ano.
Escrita por Olivier Todd, o livro (858 páginas no original francês) é a primeira biografia escrita sobre Camus desde 1978, quando Herbert Lottman havia tentado resumir a vida do escritor.
Todd teve, para realizar o seu trabalho, vantagens impossíveis para Lott há 18 anos.
Sua biografia nasceu depois que várias obras de Camus já haviam chegado ao mercado editorial francês, inclusive "O Primeiro Homem" (editado no Brasil pela Nova Fronteira), seu romance póstumo.
Outra vitória de Todd foi ter tido acesso aos diários de Albert Camus, ofertados por sua filha, Catherine, após anos de segredo.
Quando "Albert Camus, Uma Vida" chegou ao mercado, os jornais franceses declararam que o grande esforço de Todd foi tentar resolver uma questão básica: como o filho de uma "argelina iletrada" se tornou um dos maiores intelectuais franceses do século?
Camus se referia a sua mãe, Catherine, de quem a neta herdou o nome, como "a silenciosa".
Quando nasceu na Argélia em 1913, em uma pobre família de imigrantes franceses, chegava ao mundo em lugar que não era um país. Mas apenas uma "colônia na África".
Hoje, na França, a realidade é outra. Nas várias livrarias especializadas em literatura dos países árabes e das ex-colônias francesas figura toda a obra de Albert Camus, que não é mais confundido com um romancista francês.
Essa espécie de revolta cultural coincide também com uma reavaliação de sua trajetória política. Durante anos Camus foi o desertor, por não ter feito parte da grande maioria que via nos ideais revolucionários socialistas uma solução.
Hoje, sua famosa frase "Minha mãe antes da justiça", dita quando recebeu o Prêmio Nobel de literatura, em 1957, parece ser finalmente compreendida na França.
Popularizador do conceito de "absurdo", Albert Camus morreu em um acidente de automóvel em 1960, quando o carro em que estava se chocou contra uma árvore.
Ao seu lado estava o amigo Michel Gallimard e, entre os objetos encontrados, um manuscrito inédito ("O Primeiro Homem"), dedicado a sua mãe: "Aquela que jamais poderá ler esse livro".
Albert Camus admirava Bogart, mas terminou como James Dean.

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