São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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A escolha de Sofia

CELSO PINTO

O Brasil não caminha para um colapso fiscal, mas enfrenta alguns dilemas delicados à frente. Se quiser acelerar o ajuste fiscal, algo bom para a saúde do Plano Real, terá de comprimir ainda mais gastos sociais em áreas como saúde e educação. Se aceitar um aumento nesses gastos, verá a dívida do governo crescer mais do que deveria.
Essa é a conclusão de um estudo interessante feito pelo economista Fábio Giambiagi, do BNDES, ex-assessor da Secretaria do Planejamento. Especialista em contas públicas (ajudou a elaborar o Orçamento deste ano), Giambiagi fez uma projeção cuidadosa de vários cenários fiscais até o final do governo do sucessor de Fernando Henrique Cardoso, ou seja, até o ano 2002.
Ele montou quatro cenários. No primeiro, ele imagina o governo fazendo um esforço gradual de ajuste fiscal até zerar o déficit operacional (o déficit nominal menos o impacto da inflação) no ano 2000. O cenário 2 é algo recomendado por vários economistas: um aperto forte e rápido, que zerasse o déficit operacional já no próximo ano.
O terceiro cenário é de acomodação: o governo manteria o déficit operacional em torno do resultado deste ano, 2,6%. É um cenário parecido com as projeções feitas pelo Banco Central para os próximos dois anos, criticado em outras áreas do governo. Finalmente, o cenário quatro supõe apenas manter inalterada a relação dívida líquida sobre o PIB. O estoque da dívida não aumenta.
Como toda projeção, seu principal mérito é mostrar a margem de manobra do governo, dadas certas hipóteses, e não indicar com precisão o futuro. E o que o trabalho revela?
Mostra, por exemplo, que, mesmo sem as reformas estruturais, o Brasil não está condenado ao desastre fiscal. No entanto, mostra também como são estreitas as margens de manobra e importantes alguns itens, como os gastos com funcionalismo e Previdência Social. São tantas as restrições que o item que fecha a conta acaba sendo, necessariamente, "outros custeios e capital" (OCC), onde estão as despesas cruciais de saúde, educação e investimentos em infra-estrutura.
Essas despesas de OCC foram, em média, de 4% do PIB entre 1988 e 1989, caíram para apenas 1,2% em 92 e devem ficar em 3,8% neste ano. Um nível insuficiente, haja vista a crise da saúde. No entanto, só no cenário três, em que o governo apenas mantém o déficit operacional, sem esforço maior de ajuste, é possível elevar os gastos com OCC para algo entre 4,4% e 4,6% do PIB ao ano, até 2002.
Se quisesse zerar o déficit já no próximo ano, os gastos com OCC cairiam para 3,2% do PIB em 1997 (mesmo considerando o imposto do cheque), 3% em 98 e só retomaria o nível de 3,8% em 2002. O que transforma essa hipótese em algo politicamente inviável, a menos que reformas permitam a contenção de outros gastos básicos.
Mesmo o cenário um, de ajuste apenas gradual, supõe queda das despesas com OCC para 3,4% do PIB em 98 e uma subida gradual para 4,1% em 2002. Algo também politicamente difícil. Já no cenário quatro, onde a preocupação é apenas manter a relação dívida líquida/PIB, os gastos com OCC sobem acima de 4% do PIB.
O problema é que a Constituição de 1988 ampliou os benefícios da Previdência e da saúde sem dizer de onde viriam os recursos. A Previdência abocanhou dinheiro que ia para a saúde. A saúde, por sua vez, passou a depender do Tesouro, via gastos de OCC. Em 90, a saúde representava apenas 10% dos gastos em OCC; neste ano, representará 60%.
É difícil ampliar os gastos com OCC porque outros gastos são rígidos. Os gastos com a Previdência, por exemplo, dobraram de 2,7% do PIB em 1988 para 5,6% este ano. Um aumento de apenas 10% no salário mínimo eleva as despesas da Previdência em 0,4% do PIB, ou R$ 2,5 bilhões. Os gastos com funcionalismo também superam 5% do PIB e são puxados pelo crescimento de inativos.
Giambiagi foi razoavelmente otimista nos outros parâmetros: ele supõe crescimento anual de 5% do PIB nos próximos anos, queda nos juros reais, déficit nulo para as estatais, déficit dos Estados e municípios idêntico ao do governo federal e receita de 2,5% do PIB com privatização até 1998.
Seria importante reduzir o déficit operacional? Giambiagi acha que sim, porque, embora a dívida líquida não seja enorme, ela pode entrar numa trajetória perigosa, de crescimento exponencial, e criar dúvidas sobre a capacidade do governo de honrá-la.
O BC acha que basta reduzir o déficit nominal, algo que o simples declínio da inflação e das despesas com juros conseguirá fazer. Giambiagi acha que o déficit operacional também deveria cair, para dar consistência ao Plano Real. Num país com dívida interna alta e inflação ainda importante, diz ele, não faz sentido olhar apenas para o déficit nominal.
Se ele estiver correto, então a penúria em gastos sociais deverá persistir durante algum tempo, a menos que reformas ambiciosas sejam aprovadas ou que o governo relaxe na área fiscal.

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