São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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Diálogo modernista

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dentre os grandes amigos que Ungaretti teve no Brasil, a maior parte deles estava alinhada nas fileiras modernistas. Não se pode falar de sua influência sobre a poesia brasileira, ou vice-versa, mas de diálogo. Os primeiros passos partiram de Ungaretti, que publicou na revista "Poesia", em 1946, traduções de vários poetas modernistas e depois organizou um programa radiofônico sobre o Brasil.
Com os papas do modernismo, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, Ungaretti manteve vínculos de admiração e trabalho. Consta que Mário teria traduzido um poema de Ungaretti no tempo da Semana de Arte Moderna, conforme informação contida na coluna de Sérgio Milliet, "Tradutores de Poesia", no "Diário de Notícias" (em 8/7/1945). Mais tarde, Ungaretti traduziria "Poemas da Amiga", de Mário, e trechos de "Pau-Brasil", de Oswald, de quem também prefaciou a edição italiana de "Miramar".
Bandeira e Henriqueta Lisboa conheciam perfeitamente a obra de Ungaretti, mas quase não conviveram com o poeta.
Vinicius de Moraes e Murilo Mendes, curiosamente poetas católicos, foram os que mais privaram de seu convívio. O primeiro conheceu Ungaretti no Brasil na condição de jovem poeta modernista e, depois, reencontrou-o em Roma como músico boêmio.
Tradutor de Vinicius, Ungaretti participou da histórica gravação do LP do poeta brasileiro, em italiano, com Toquinho e Sergio Endrigo, declamando "Vida Vivida", "Poética I" e "Soneto do Amor Total", que havia traduzido, em 1946. O disco produzido pela Phillips, foi distribuído pela Phonogram em 1977. Como extensão da poesia, uniam Ungaretti e Vinicius, o cristianismo e as mulheres.
Murilo Mendes só veio a conhecer Ungaretti a partir de sua estada romana. Já em 1958, Murilo Mendes organizou na embaixada brasileira uma homenagem aos 70 anos de Ungaretti, quando lhe foi doado o retrato feito por Flávio de Carvalho. Porém, as afinidades literárias logo se estabeleceram e resultaram numa bela tradução levada a cabo por Ungaretti de "Janela do Caos" (1961), poema de Murilo Mendes. Este retribuiu escrevendo diversos textos sobre o amigo.
Entre os modernistas atualmente desconsiderados pela crítica, manifestava grande admiração pela obra de Guilherme de Almeida. Menotti del Picchia traduziu nove poemas de "Sentimento del Tempo", publicadas no nº 4 da "Revista Brasileira de Poesia" (1949).
Mas era Augusto Frederico Schmidt que figurava entre seus melhores amigos. Eles se conheceram no Rio e voltaram a se encontrar na Itália. Um destes encontros motivou o longo "Poema de Natal", de Schmidt, incluído em "Aurora Lívida": "A idéia de escrever um/ poema de Natal/ Traz-me à lembrança o poeta Ungaretti,/ Na sua casa em Roma,/ Via Remuria, 3.// (...) Ungaretti é um pássaro revoando,/ Volteando, girando e, de súbito, molhando/ As largas asas duras nas águas/ Onde pousa e, às vezes, se move/ A imagem do seu filho perdido".
Entre os poetas contemporâneos, Haroldo de Campos foi quem mais ousou estabelecer um diálogo com o poeta italiano: escreveu ensaios, traduziu e fez poemas-críticos em sua homenagem.
Vale mencionar ainda a amizade que o poeta manteve com artistas plásticos e lhe renderam alguns retratos, como o de Flávio de Carvalho, a caricatura de Di Cavalcanti e o desenho de Aldemir Martins.

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