São Paulo, domingo, 21 de julho de 1996
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Hormônio contaminado já matou 16

PATRICIA WYNN DAVIES
DO "THE INDEPENDENT"

O hormônio do crescimento humano chegou a ser saudado como a cura milagrosa para crianças anormalmente pequenas que enfrentavam a perspectiva de serem ridicularizadas pela vida toda -e, de fato, produziu resultados positivos surpreendentes.
Mas, para alguns pacientes, teve efeitos colaterais fatais: a bomba-relógio do agente da doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), presente no hormônio que receberam.
Numa decisão emitida anteontem, um tribunal de Londres concluiu que o Departamento de Saúde é culpado pelas 16 mortes ocorridas até agora e por um número desconhecido de outras que podem vir a acontecer no futuro. As vítimas tomaram hormônios com a proteína que causa a doença.
Segundo o juiz, o departamento deveria ter sabido já antes de 1º de julho de 1977 que o tratamento implicava no risco de transmissão da doença fatal, e foi negligente ao deixar de suspender o programa de tratamento para a maioria dos novos pacientes.
Três pessoas envolvidas no processo julgado anteontem já contraíram a doença. Outros 200 pacientes que temem contrair a doença têm processos pendentes ou prestes a ser abertos. A contagem final de reclamantes pode chegar à casa das centenas.
As indenizações, cujo total pode atingir milhões de libras esterlinas, deverão ser decididas em breve e pagas no prazo de dois meses.
O juiz decidiu que evidências significativas do risco de CJD foram recebidas pelo Departamento de Saúde com "letargia" e "falta de urgência".
A doença de Creutzfeldt-Jakob, uma condição neurológica semelhante ao "scrapie", nas ovelhas, e à encefalopatia espongiforme bovina no gado (embora os casos apresentados não guardem qualquer relação com a "doença da vaca louca") fica incubada por muito tempo antes de se manifestar.
O mais longo período de incubação já registrado foi de 42 anos, enquanto 30 anos é um período bastante comum. Mas, uma vez que atinge o cérebro, a doença é incurável e fatal.
A incidência natural de DCJ no Reino Unido é muito baixa. Acredita-se que ela cause apenas uma morte por milhão de habitantes por ano, mas sua incidência entre os pacientes que fizeram o tratamento com o hormônio chega a 1 em cada 100.
Para recolher hormônio suficiente para restaurar os padrões normais de crescimento às crianças, grandes quantidades de glândulas pituitárias humanas (órgãos minúsculos situados na base do cérebro) foram recolhidas de cadáveres em hospitais e necrotérios, de 1959 até 1985, quando o programa foi interrompido.
O primeiro caso de participante no programa de hormônio do crescimento humano que morreu de DCJ foi Alison Lay, 22, em fevereiro de 1985. Ela havia recebido o tratamento dos 9 aos 13 anos.
Nesse momento, quase 2.000 crianças que participavam do programa já recebiam injeções de hormônio do crescimento humano. O programa foi interrompido repentinamente em maio de 1985, sem qualquer explicação.
O Departamento de Saúde decidiu que, como não havia meios de detectar a DCJ nem cura para a doença, qualquer explicação provocaria pânico desnecessário. Pouco depois foi lançada uma versão sintética do hormônio.
O primeiro sinal de que as famílias das vítimas receberam de que talvez houvesse um preço a pagar pelo progresso milagroso de seus filhos chegou na forma de uma carta do Instituto de Atendimento à Criança, em 1992, avisando que ex-pacientes não deveriam doar sangue ou órgãos.
O único critério para a seleção das glândulas pituitárias recolhidas parece ter sido que elas não deveriam ser retiradas do local de uma doença primária.
Como os lotes de pituitárias eram divididos entre os pacientes indiscriminadamente, o risco do agente da DCJ atingir grande número de pacientes aumentou, ajudando a criar o desastre médico que estava prestes a acontecer.

Tradução de Clara Allain

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