São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 1996
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Para que serve o rodízio?

ROGERIO BELDA

A interdição de circulação de carros que tenham placas com finais de dois determinados números, em rodízio, praticamente não reduz o número de automóveis circulando na cidade. Não estão impedidos de circular os táxis, os caminhões e os veículos de deficientes físicos.
Os veículos de serviços essenciais circulam. Como muitas famílias têm dois ou mais carros, a possibilidade de usar um que não esteja impedido é muito grande. Acrescentando as viagens dos infratores e de veículos vindos de outras cidades, praticamente não haverá alteração do volume de trânsito.
O rodízio foi imaginado como solução para ocorrência de inversões térmicas, que, associada à poluição (90% é causada pelos veículos), provoca malefícios à população e consequências graves nas pessoas com problemas respiratórios. A medida radical que os governos estadual e municipal deveriam adotar, em condições graves de poluição, seria suspender as atividades na cidade, decretar feriado bancário e escolar e impedir que as pessoas circulassem com veículos motorizados, exceto os elétricos.
Os prejuízos nessa circunstância seriam imensos. Cabe pensarmos em uma alternativa viável, que consista em reduzir as viagens motorizadas à metade, sem paralisar as atividades na cidade.
Isso é possível proibindo a circulação de carros cujas placas tenham finais de quatro ou cinco dígitos definidos por dia. Essa medida só pode ser adotada com duas condições básicas: que a ameaça da inversão térmica seja efetivamente grave, e que a população tenha possibilidade de obedecer essa orientação. Essa segunda condição só é possível se a população estiver consciente e treinada. É como nos prédios, em que todos devem estar treinados para o risco de incêndio; na cidade, todos devem estar treinados para o risco de inversão térmica grave no inverno.
A leitura da lei aprovada pela Assembléia reflete essa intenção. Ela não especifica como será o rodízio. Somente dá ao governo a possibilidade de adotá-lo no inverno e punir quem não cooperar.
O que está programado é a forma mais branda do rodízio, não afeta em quase nada a vida da cidade e permite que todos estejam preparados para uma situação grave. Em agosto, participaremos de um ensaio geral, que possibilitará à sociedade dispor de uma alternativa factível diante de uma crise ambiental. Quem não concordar com o rodízio deve apresentar uma alternativa melhor ou fazer um exame de consciência, se não estiver tomado por um acesso de individualismo automobilista.

Rogério Belda, 60, é presidente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) e gerente de Planejamento de Transporte da Companhia do Metropolitano de São Paulo.

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