São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 1996
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África e Oceania vêm à Bienal

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

O curador francês Jean-Hubert Martin é o responsável pela seleção dos seis artistas da África e Oceania para a seção Universalis da próxima Bienal, entre 5 de outubro e 8 de dezembro.
São eles: Gedewon (Etiópia), Francine Nodimandie (África do Sul), Cyprien Tokoudagba (Benin), John Mawurndjul (Austrália), Peter Robinson (Nova Zelândia) e Frédéric Bruly Bouabré (Costa do Marfim).
Sua seleção é a mais complexa, já que trabalha com artistas que discutem conceitos não necessariamente ligados aos que movem as artes plásticas ocidentais. Em entrevista à Folha, por telefone, de Paris, Martin falou de sua seleção.
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Folha - Não é difícil encontrar o tema da Bienal, "a desmaterialização da arte", em um meio onde a produção artística é tão ligada à terra e à cultura local?
Jean-Hubert Martin - De forma alguma. Não é porque a produção é ligada à terra que não existe desmaterialização. Essa desmaterialização se manifesta na relação entre a matéria e o senso que ela representa. Como o senso é tão forte em obras tradicionais, realizadas em sociedades onde a religião tem uma força incrível, a matéria pode ser muito fraca, a consistência e sua presença podem ser fracas, mas sua força espiritual é muito forte.
Folha - A arte africana não é sobretudo a repetição de objetos, totens e símbolos religiosos?
Martin - São velhas e falsas idéias que temos. É uma idéia ocidental que as mudanças e transformações acontecem apenas nas artes do mundo ocidental e que as outras culturas são estáticas. São idéias fabricadas pelos ocidentais. Folha - Mas como é possível para um ocidental não fazer uma seleção sem os estereótipos do Ocidente?
Martin - Eu espero não ter feito uma seleção estereotipada, mas ela foi feita por um ocidental, com os olhos ocidentais e um julgamento ocidental. Não posso me colocar no lugar de um africano ou ter sua compreensão e seu julgamento da religião. Foi uma escolha e não existe vergonha nisso. São obras que acredito, dentro de nosso sistema ocidental, que possam ser obras-de-arte.
Folha - O conceito de arte existe na cultura africana ou é uma criação ocidental?
Martin - O conceito é uma criação ocidental, mas isso não quer dizer que os africanos não têm um senso de beleza. Eles tem um senso apurado disso e a beleza é uma questão de comparação.
Folha - Isso quer dizer que a beleza é o conceito mais importante na discussão da arte na cultura africana?
Martin - Eu não disse isso. Se, por exemplo, nos remetemos a sociedades religiosas, aquilo que vai contar mais é que se trata de uma imagem de uma ou outra divindade. É a representação de qualidade dessa divindade que vai contar. Não é o senso estético que será privilegiado.
Folha - O tipo de aura que existe em um objeto religioso ou de concepção divina não vai contra a aura artística existente na arte ocidental? Não são coisas diferentes?
Martin - São diferentes, mas podem ser comparadas. As duas se prestam à desmaterialização, discutem o imaterial. O corpo de um objeto religioso ou de uma obra-de-arte não podem ser apenas a matéria que observamos. Os dois sempre possuem algo a mais.
Folha - O artista africano pede uma posição crítica do espectador? Ele propõe críticas a si mesmo ou à sociedade onde ele vive?
Martin - Isso é difícil de responder de uma maneira general. A África é um continente enorme, onde encontramos artistas diferentes e culturas diferentes. Posso dar exemplos de casos, como algumas máscaras na cultura Iorubá, que são utilizadas para se fazer uma crítica social.
Folha - Quando se pega a obra de um artista africano, não existe sempre uma desapropriação de seu valor em relação à cultura local e uma instauração de um novo valor artístico dentro de um outro contexto?
Martin - É uma questão interessante, pois eu acredito que todo o interesse despertado sobre uma obra-de-arte está justamente em seu deslocamento. Não existe uma "verdade" absoluta da obra.
Podemos dizer que um objeto tem uma verdade em relação a seu contexto de origem, ao seu uso, à sua função etc. Quando o deslocamos para uma outra cultura, ele toma um outro valor e, por vezes, um outro senso. É justamente esse deslocamento de senso que é interessante e que lhe dá valor.
Folha - Quais foram os critérios para a escolha dos seis artistas?
Martin - Seis artistas para um continente é sempre uma escolha difícil. Esses são artistas que estão ligados diretamente com sua cultura tradicional, mas traduzidos de maneiras totalmente diferentes, por vezes com uma consciência dos processos políticos, da globalização e do contato com o Ocidente.
Não são artistas tradicionais no senso de que ficam presos a seu pequeno meio, sem nenhuma consciência do que se passa fora. Eles crêem em uma série de valores próprios e de suas culturas, mas também têm a consciência das transformações do mundo que está à sua volta.
Folha - Você pensou em sua mostra "Magiciens de la Terre" quando fez a seleção para a Bienal?
Martin - Penso nela sempre. Três artistas estavam na mostra do Centro Georges Pompidou -Frédéric Bruly Bouabré, Cyprien Tokoudagba e John Mawurndjul- e agora estão fazendo exposições em centros importantes do mundo. Achei que seria interessante mostrá-los em São Paulo.

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