São Paulo, sábado, 27 de julho de 1996
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Braz apresenta Nelson Rodrigues 'irresponsável'

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A entrada é grátis e a platéia é uma fileira improvisada de cadeiras. O palco, um corredor. O elenco, em parte, de alunos da escola Indac.
Mas "Viúva, porém Honesta", que acaba de estrear, é das mais engraçadas e melhores peças em São Paulo.
Montado por Marco Antônio Braz, o mesmo diretor de "Perdoa-me por me Traíres", de 1995 e já por dois anos em cartaz, o espetáculo leva ao limite o subtítulo dado pelo autor, Nelson Rodrigues: uma "farsa irresponsável".
"Viúva, porém Honesta" é farsa e é irresponsável, carregando não apenas no humor mais sarcástico, mas nas cenas mais disparatadas.
Já está quase tudo lá, indicado no texto, mas o elenco do Círculo de Comediantes vai além, tornando a farsa irresponsável algo, por vezes, próximo de uma revista, inteiramente descabida, tresloucada.
O enredo não poderia ser mais adequado: o dono de um jornal, com poder de fazer ministros, tem uma filha que não quer "sentar" e chama especialistas para tentar a cura -uma prostituta, um psicanalista, um médico otorrino e o próprio demônio.
A filha, viúva, porém honesta, casou com um crítico de teatro, Dorothy Dalton, homossexual -parte da reação do autor às críticas à sua peça anterior, precisamente "Perdoa-me por me Traíres"- e que foi morto por um carrinho de sorvetes.
Com tal material nas mãos, e atores como Maurício Marques, reencarnação de Groucho Marx, e não apenas na maquiagem, ou como Clayton Freitas, o encenador Marco Antônio Braz torna "Viúva, porém Honesta", afinal, uma procissão irresponsável. E imperdível.
Ainda com alunos de teatro, mas da Escola de Arte Dramática, herança de quatro décadas do teatro paulistano, e também grátis, "Luzes da Boemia" é, porém, outra história.
Trata-se de produção cuidada, nada anárquica, num teatro com palco italiano e platéia que poderiam ser chamados de luxuosos.
É, sob direção de William Pereira, um belo espetáculo. O melhor do já experiente diretor, em anos.
A interpretação, certo, é reverente, em alguns casos empolada, denunciando um esforço de longos ensaios e pesquisa.
Mas também revela atores como Heitor Goldflus, de interpretação rigorosa do poeta Max Estrella, que vive seus últimos momentos -sua última noite, boêmio que é.
Ou ainda, Roberto Leite e Gero Camilo -este um "coveiro", ou "clown", de nascença.
Rigor, reverência, luxo, que tão bem retratam o teatro paulistano mais tradicional, herdado dos primeiros anos do Teatro Brasileiro de Comédia, não atrapalham.
Parecem localizar William Pereira, afinal, em seu ambiente.
Para tanto, nada melhor do que uma peça modernista de 1920, do espanhol Ramón del Valle-Inclán, em que o diretor se permite evocar todo o cenário de vanguarda artística e boêmia de então.

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