São Paulo, terça-feira, 30 de julho de 1996
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Pedrosa trata da não correspondência

Mostra une crítica e produção

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Aarão não respondeu à carta do artista plástico Adriano Pedrosa. Daniel também não e tampouco Eduardo. Ao todo, são 555 cartas não correspondidas a compor "Cartas de Amor do Exílio", uma das obras que Pedrosa expõe a partir de hoje na galeria Luisa Strina.
Entre 1993 e 1995, Pedrosa enviou, dos EUA, cerca de 600 cartas, para nomes masculinos no Rio de Janeiro. Mas no envelope azul, junto com dois selos de 25 cents, apenas o nome do destinatário, a cidade e o país.
As cartas voltaram, melancólicas, sem encontrar seu destino, como símbolos da não correspondência do amor de seu remetente.
"Cartas de Amor do Exílio" está coalhada de elementos obsessivos: o envelope azul, a letra cursiva a preenchê-lo, os dois selos homenageando Jack London.
A obra é toda uma série de mecanismos que, herança da arte conceitual e minimalista, pode transmitir uma sensação de frieza e racionalismo exagerados.
Pedrosa nega. A frieza existe, mas permeada de elementos quentes, como a imprevisibilidade, o precário, a espera, o amor. Esse, por sua vez, pode ser por um desconhecido, retirado de um dicionário onomástico, ou por uma personalidade pública, como Leonilson ou Waltércio.
Mesmo a escolha dos selos faz parte da estratégia. O uso de dois selos idênticos remete à questão do duplo e do diálogo. E Jack London (1987-1916), por si só, já possui uma biografia sintomática, marcada pela não correspondência.
Deserdado por seu pai, o escritor californiano John Griffith Cloney morre prematuramente, aos 40 anos, vítima de uma overdose (provavelmente foi suicídio).
O ato da escrita também permeia as outras obras da mostra, que não à toa se chama "Escritos".
Em uma outra série, Pedrosa -que se recusa a ser chamado de crítico; se diz artista e escritor de arte- estabelece uma relação entre os papéis de escritor e de artista.
Pegou textos que ele próprio escreveu para catálogos e algumas das mais importantes publicações da área, como "Poliester" e "Artforum". Reescreveu-os sobre papel vegetal. Apropria-se de seu próprio texto, assim como "invade" o texto alheio quando escreve sobre a obra de outro.

Mostra: Escritos
Onde: galeria Luisa Strina (r. Padre João Manuel, 974 A, tel. 011/280-2471, Jardins)
Vernissage: hoje, às 19h
Quando: até 20 de agosto

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