São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 1996
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A manipulação no caso dos brinquedos

RICARDO SAYON

Mais espetacular que a capacidade do Brasil de "surpreender até os que julgam conhecê-lo bem", como afirmou o presidente da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), Synésio Batista da Costa, em artigo publicado neste jornal, é a virtude de alguns brasileiros de distorcer fatos, manipular números e, com isso, obter vantagens.
Esse foi o caso da sobretaxação da importação de brinquedos, medida que prejudica o consumidor, a rede distribuidora e as relações comerciais do Brasil com outros países, presenteando apenas os fabricantes e o contrabando.
No que diz respeito à alegação, contida naquele artigo, de que os preços de brinquedos não irão aumentar, cabem alguns comentários.
Em primeiro lugar, o senhor Synésio sabe, ou deveria saber, que as margens do segmento de brinquedos estão entre as menores de todo o varejo.
Com isso, se o consumidor se recusar a pagar pelo aumento do preço, provocado artificialmente pela elevação da alíquota, simplesmente não terá o produto, uma vez que nenhum mercado pode operar com prejuízo. Sendo assim, é pertinente a reação negativa dos comentaristas econômicos.
Da mesma forma, concordo com o conhecimento atribuído ao "mais humilde feirante": são pessoas de mercado. O mesmo não se pode dizer do senhor Synésio, brilhante executivo de associação que deveria conhecer melhor o setor revendedor e suas relações com seus fornecedores.
Quando o presidente da Abrinq alardeia que a adoção da medida de salvaguarda satisfaz a OMC, se esquece de citar que nos Estados Unidos, na Comunidade Européia e em qualquer outro lugar do mundo a alíquota de importação de brinquedos é zero. Exceções no caso do México, que recebe produtos via Nafta, também com isenção, e no do Mercosul, que mantém a tarifa de 20%.
Contudo, mais grave que o "esquecimento" é a manipulação de números, que reproduz a argumentação da petição de salvaguarda. Tanto naquele documento quanto no artigo, alega-se crescimento de 884,1% em dólares e de 2.778,6% em quantidades nas importações de brinquedos entre 1992 e 1995.
Outros fatos, porém, não foram revelados. Primeiramente, os fabricantes foram os grandes responsáveis pelo aumento de importações, tendo em vista dados da própria Abrinq. Ela informa o valor de US$ 77,1 milhões faturados pela indústria com bens importados em 1993, o que equivale a 12,74% do volume total de US$ 605 milhões, percentual que saltou para 31,33% em 1994, atingindo 43,18% em 1995.
Com esse expediente, praticado no curto prazo, os fabricantes inflaram o volume de importações para solicitar proteção oficial a médio prazo. Portanto, há uma grave omissão em não revelar que a indústria nacional foi a responsável pelo alavancamento das importações de brinquedos.
Outra distorção é a comparação com o volume de negócios de 1992, quando praticamente não existiram importações, impedidas por uma alíquota de 65%. Vale a pena frisar que 1995 foi o primeiro ano em que vigorou a alíquota de 20%, sendo natural e previsível o crescimento desse tipo de operação.
Além de tudo, ainda se omite o fato de que, mesmo sem a sobretaxação, o primeiro quadrimestre de 1996 teve queda de 25% nas importações de brinquedos, comparadas ao mesmo período de 1995.
Quanto à alegação de perda de empregos, desafio a indústria de brinquedos a comprovar seus 24,2 mil trabalhadores em 1994, bem como os 15 mil de 1995.
Aliás, a própria Abrinq parece não ter certeza de seus números: no item 18 de sua petição de salvaguarda, alega ter dispensado 9.200 funcionários em 1995. Entretanto, na avaliação setorial, realizada pela MCM Consultores Associados (página 345, item 3 do processo), consta um quadro que indica para 1994 o total de 24,2 mil empregados e, para 1995, 22 mil, resultando em 2.200 funcionários a menos, em vez dos alegados 9.200.
No que diz respeito ao fechamento de 530 empresas, cabe informar que nunca existiram nem sequer 500 indústrias de brinquedos. Se 530 tivessem fechado suas portas, restaria apenas o senhor Synésio Batista da Costa como único filiado à Abrinq.
Além de todas as afirmações fictícias citadas, mais uma afirmação incorreta merece destaque: o investimento de US$ 500 milhões em qualidade e produtividade entre 1990 e 1995.
Se fosse verdadeiro, o segmento produtor de brinquedos seria o mais rico do Brasil e não necessitaria de salvaguarda.
Finalmente, resta saber quando o presidente da Abrinq deixará de agir de forma pessoal e isolada, haja vista que não vimos nenhum real empresário do setor que o acompanhe em sua batalha pessoal. Uma batalha que divide o setor de brinquedos, causa prejuízo ao país, ao governo, ao segmento e, finalmente, ao consumidor.

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