São Paulo, quarta-feira, 31 de julho de 1996
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Os limites da economia

ANTONIO DELFIM NETTO

A dispensa de Domingo Cavallo do cargo de ministro da Economia argentina depois de 66 meses de árduo e perseverante trabalho não deve, em princípio, representar uma modificação da política daquele país. Ele foi substituído por um outro excelente profissional, o economista Roque Fernandez.
Do ponto de vista pessoal é de se lamentar o que ocorreu com o ex-ministro Cavallo, um homem competente, imaginoso, voluntarioso e, acima de tudo, com a coragem própria dos que se consideram portadores da verdade. Talvez seja possível criticá-lo pelo caminho escolhido para a estabilização: uma interessante variante do "currency board", com duas moedas (dólar e peso), livremente conversíveis e competindo entre si.
Seus críticos dizem que ele levou a Argentina de volta ao século 19, com uma espécie de "padrão dólar". É possível, mas não se pode esquecer que ele modernizou a Argentina, privatizou tudo e quase impôs um controle definitivo sobre os bancos provinciais, que lá como aqui continuam a permitir um "orçamento frouxo" para os Estados.
A crítica, ainda quando tenha alguma procedência, deixa de lado o fato de que a Argentina havia atingido um grau de desorganização e um nível de populismo que talvez não lhe deixasse outra alternativa.
O problema é que esse mecanismo produz o equilíbrio pela flutuação do nível de emprego. Com a relativa inflexibilidade do nível de preços (dos salários nominais), todo o ajuste é produzido pelas variações da produção e do emprego.
Não é por outro motivo que depois de quatro anos de absoluto sucesso do "currency board" a correção do desequilíbrio produzido pela quebra do México exigiu uma queda do PIB de 4,4% em 1995 e provavelmente uma nova queda em 1996, levando o desemprego na região de Buenos Aires a mais de 18%.
Há um visível cansaço da população com os sacrifícios crescentes impostos para alcançar o equilíbrio orçamentário. Ainda agora, o próprio Cavallo anunciou que o déficit fiscal no primeiro semestre de 1996 foi de US$ 2,5 bilhões, mais de US$ 1 bilhão acima do estabelecido pelo FMI.
Para minorar o problema (a missão do Fundo chegará em agosto), ele propôs uma nova redução dos gastos com saúde, a eliminação de todas as isenções fiscais do equivalente ao nosso ICMS, a eliminação do abono-família e a exclusão dos tickets-refeição dos benefícios fiscais, com pesadas repercussões sobre a empobrecida classe média.
A "verdade econômica" do ministro parece ter encontrado o limite da "verdade política", por mais desagradável que isso possa parecer.
Essa é a segunda ocorrência, em menos de quatro semanas, na mesma direção. Não foi por motivo muito diferente que Roberto Zahler se demitiu da presidência do Banco Central do Chile.
Por outro lado, as pressões sobre o Federal Reserve para aumentar a taxa de juros crescem. Se isso acontecer, acabará produzindo uma substancial redução da riqueza dos aplicadores, com possíveis efeitos sobre seus portfólios. É preciso, portanto, prestar atenção ao que disse o sr. Francisco Gros, pois estamos desconfortavelmente perto de eventos que podem desorganizar nossos mercados.

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