São Paulo, sábado, 3 de agosto de 1996
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O Azulejo

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE

Nos 70, três eventos levavam qualquer família da classe média ao Anhembi. A UD, o Salão do Automóvel e o Salão da Criança (não me lembro mais se era assim que se chamava).
Os dois primeiros existem até hoje. O terceiro se perdeu no tempo, mas era uma festa. Uma grande feira onde não se fazia nada além de brincar com um monte de brinquedos.
Em um desses dias maravilhosos, voltei para a casa com a mão melada de churros, um capacete de plástico e um azulejo. O capacete era o troféu que recebi por meu desempenho em uma corrida de velotrol. O azulejo não sei de onde surgiu.
De fundo branco, tinha estampado o rosto de um narigudo sorridente, com enormes costeletas e arrojados óculos escuros. Tinha também seu autógrafo, ao lado da marca de uma bateria de carro. Busquei no fundo da memória o que Emerson representa. As glórias, as vitórias, a Lotus preta e dourada, o McLaren vermelho e branco, o Copersucar, o superkart no estacionamento do Pacaembu, a Indy, as 500 Milhas. Tudo passou na minha cabeça. Nada ficou.
Só pude pensar no tal azulejo. Guardei a peça por muito tempo. Não sei que fim levou. Só fui entender anos mais tarde para que serviria.
Ao entrar em uma oficina, vi o mesmo azulejo perdido entre centenas de outros completamente brancos. Era uma simples peça de promoção. No último domingo, a Redação parou na frente da TV, esqueceu a paranóia olímpica, no momento em que a equipe de resgate cuidava do "Rato" que, perene, virou "Emmo". Herói da infância, símbolo de um país que vai pra frente. Que encampou o sonho nacional e, com ele, conheceu a decadência.
Que foi o responsável por Nelson, Ayrton e toda a molecada. E que ainda teve gás para, de novo, vencer. Que parecia sólido. Mas também é frágil. Como um azulejo.

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