São Paulo, segunda-feira, 5 de agosto de 1996
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Rodízio: exercício de solidariedade

FABIO FELDMANN

Emissões veiculares são a principal causa da poluição da cidade de São Paulo, e o uso do automóvel parece estar se tornando uma necessidade tão (ou mais) vital que o ato de respirar.
Vale a pena perguntar se a crescente mobilidade oferecida pelo carro está melhorando o acesso das pessoas aos seus destinos. Ou será que elas estão tendo apenas que ir mais e mais longe para poder chegar às compras, ao trabalho e a outros lugares fundamentais, gastando mais tempo no trânsito?
Nos países em desenvolvimento, o automóvel beneficia diariamente apenas uma pequena elite, enquanto a massa da população não vê sua situação melhorar. E o custo social dessas emissões para a sociedade como um todo? E a saúde dos nossos filhos?
Vamos direto ao problema: o mundo parece cair em razão de os proprietários de automóveis não poderem usá-los por algumas horas, quatro dias neste mês de agosto. Cabe aqui um esclarecimento: se a poluição do ar permanecesse dentro dos padrões toleráveis à saúde humana, não haveria necessidade de implantar medidas de controle tão polêmicas quanto a Operação Rodízio. Entretanto, à medida em que as ultrapassagens dos índices ameaçam a saúde pública e vidas humanas, não é aceitável se deixar levar pela inércia e pela indiferença.
Os dados médicos são inquestionáveis: nos 20 dias mais poluídos de 1993, a mortalidade de idosos com mais de 65 anos aumentou em 12%, e a de crianças com menos de cinco anos, em 15%. E isto acontece no período do inverno, em razão das dificuldades climáticas para a dispersão da poluição. O que fazer imediatamente diante desses dados, que já são conhecidos desde 1991?
O governo de São Paulo não poderia ficar inerte, sob a alegação de estar ferindo o direito de "ir e vir". Pelo contrário, ações preventivas como esta permitem que o real direito de "ir e vir" seja exercitado por mais tempo, em razão da redução dos engarrafamentos, do consequente aumento da velocidade do trânsito e, por último, da maior longevidade de vida.
A realização do rodízio com multa é a única forma real de obrigar aqueles que não se sensibilizaram no ano passado, mesmo sabendo dos males que a poluição causa à saúde.
É óbvio que o rodízio não é solução definitiva. O combate à poluição está inserido em um processo que se iniciou com a criação do Proconve (Programa de Controle da Poluição por Veículos Automotores), passa pela valorização de combustíveis limpos, como o álcool, pelo controle da emissão dos automóveis usados, por meio do I/M (Programa de Inspeção e Manutenção de Motores) e por medidas estruturais mais caras que começam a se vislumbrar, tais como a retomada das obras do Metrô e a implantação do rodoanel.
Em março de 1996, o governador do Estado de São Paulo criou, por meio da edição do decreto nº 40.700, o Programa Operativo de Controle da Poluição do Sistema de Transportes do Estado de São Paulo, com o objetivo de integrar políticas estaduais e municipais de transportes, trânsito de veículos, energia, uso e ocupação do solo, saúde e meio ambiente.
O Estado também tem exercido o seu poder de polícia. Em 1995, foram autuados 20.790 caminhões emissores de fumaça preta. Nos sete meses deste ano, as multas já são superiores a 28 mil, enquanto no período de 1991 a 1994 foram apenas 22.400. Além disso, foram assinados convênios recentemente visando controlar permanentemente essas emissões.
O rodízio desta vez não é apenas um exercício. É uma possibilidade concreta de ampliarmos nossos horizontes individuais em busca de uma profunda mudança de nossas relações sociais.
Ainda que se reconheça que se trata de um ato de privação, o que dizer do sacrifício de vidas de crianças e idosos com o aumento da poluição já comprovado cientificamente? O cidadão que renunciar ao uso de seu carro -por algumas horas- em quatro dias do mês de agosto estará contribuindo para a construção de uma sociedade mais solidária e menos egoísta e também ganhará outros 26 dias de ar menos poluído e trânsito melhor.

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