São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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A primeira poda

OSIRIS LOPES FILHO

O projeto de reforma constitucional tributária, que dormitava na respectiva comissão especial, ganhou razoável alento. O relator, deputado Mussa Demis, apresentou há alguns dias seu relatório, acompanhado de substitutivo, que ainda aguarda votação.
É um relatório competente e trabalho de fôlego. Além da proposta governamental (PEC 175/95), foram analisados mais oito propostas de emendas à Carta e 107 emendas ao projeto governamental.
O substitutivo-síntese de Mussa Demis demonstra uma qualidade fundamental: a inexistência de alinhamento automático, tipo ordem unida, aos delírios de poder e avidez argentária da tecnocracia brasiliense. Podam-se vários absurdos da proposta governamental e cuida-se de proteger o cidadão da voracidade tributária.
Não deve ter sido tarefa fácil a que foi atribuída a Mussa Demis. Na primeira página do relatório, elegantemente, mas registrando o fato, por sua relevância, ele assinala ter discutido com José Serra, então ministro do Planejamento, "ponto por ponto, todas as disposições contidas em meu substitutivo; devo deixar bem claro, contudo, que S. Exa. diverge de algumas alterações que introduzi na proposta do Poder Executivo".
Esse é registro importante. Principalmente agora que Serra é candidato a prefeito de São Paulo, e possibilita ao povo paulista julgá-lo, como membro de um governo que ousou explicitamente propor a inclusão na Constituição do maior arrocho tributário a ameaçar a cidadania.
Foram apresentados alguns dispositivos tão leoninos, a dar insegurança ao contribuinte, que jamais a ditadura militar tentou emplacar. Justiça seja feita. Na parte tributária, esse governo liberal, que está aí, bate em cupidez arrecadatória a ditadura militar.
Alguns setores da vida econômica, sindical e política do país têm revelado ingênua e persistente devoção à reforma. A fé que move essa veneração é de tal intensidade, que se está a esperar o milagre: redução da atual carga tributária para todos os contribuintes e racionalização do sistema, com menos tributos. O milagre pode virar catástrofe.
É o momento de se ficar alerta, acompanhando-se a tramitação da emenda, pressionando-se e participando-se ativamente. O substitutivo de Mussa Demis tem aperfeiçoamentos em relação ao projeto original. Mas se pode avançar mais ainda na defesa do bolso dos cidadãos, da Federação e no controle do assanhamento tributário federal.
Osiris de Azevedo Lopes Filho, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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