São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Jornalista escreve livro depois de trabalhar 45 anos para o "Times"

PATRICIA DECIA
DE NOVA YORK

Com base em suas memórias e nos arquivos do jornal, ele escreveu "The Paper's Papers" (Os Papéis do Jornal), a convite da família, especialmente para a comemoração do centenário.
Segundo Shepard, o livro não é uma história do jornal, já que apenas toca levemente em temas essenciais como ciência, esporte, economia e publicidade.
Mas, em compensação, narra o nascimento de seções tão importantes como "Book Review" (sobre literatura) e, porque não, as famosas palavras cruzadas.
Além disso, o livro conta detalhes das coberturas nas áreas de cidades, internacional e das personalidades dos publishers do "The New York Times".

*
Folha - Como o sr. decidiu escrever o livro sobre o "The New York Times"?
Richard F. Shepard - Há cerca de três anos, recebi um telefonema de Susan Dryfoos, filha do publisher Orvyll Dryfoos, que dirige um projeto sobre a história do "Times".
Eles queriam transformar a data numa grande ocasião, e ela me convidou para escrever um livro baseado nos arquivos do jornal, já que gostava do meu estilo.
Então eu e minha mulher, Trudy, uma bibliotecária aposentada, passamos dois anos e meio indo ao arquivo várias vezes por semana.
Escrever um livro é diferente de escrever para o jornal, no último caso, seu desejo é ver o artigo impresso no dia ou na semana seguinte. Um livro, depois de dois anos e meio, quando você termina já esqueceu como tudo começou. Eu pesquisei, tirei cópias do que me interessava, organizei e ali estava o livro.
Folha - Como era o seu relacionamento com os publishers?
Shepard - Cheguei ao "Times" aos 23 anos, de volta da Segunda Guerra Mundial, e Arthur Hays Sulzberger, genro de Ochs, era o publisher. Ele parecia muito velho, muito hostil, e eu era apenas um "copyboy". Então ele se aposentou e apontou Orvyll Dryfoos, seu genro, para publisher.
Dryfoos era um homem adorável. Nós tivemos uma greve durante seu período, isso agravou suas condições de saúde e ele morreu após dois anos no cargo.
Depois foi Arthur Ochs Sulzberger, conhecido como "Punch". Nessa época, eu conhecia mais as pessoas, você sempre conversa no elevador. As relações com a redação se davam por meio dos editores-executivos. Mas eu o tratava pelo primeiro nome.
Folha - As personalidades de cada um mudaram o jornal?
Shepard - Ochs veio com idéias muito fortes sobre separar as notícias da publicidade e da opinião. Ele deu o tom ao jornal. Seu genro Hays era um homem muito culto, formado pela Universidade Columbia, e muito obstinado em questões de estilo, o que não preocupava muito Ochs, interessado na personalidade do jornal.
"Punch" chegou numa hora muito difícil para o jornal, em termos de publicidade, nas décadas de 60 e de 70. Nos anos 70, ele criou o jornal em quatro cadernos, para incluir mais anúncios.
"Punch" tinha como editor-executivo Abe Rosenthal, que era um fanático em manter as reportagens mais longas. Não posso falar sobre o publisher atual porque já não estou no jornal.
Folha - E as relações com o governo e outras pressões?
Shepard - Um bom exemplo é a cobertura sobre a invasão da baía dos Porcos, em Cuba, quando o "Times" tinha algumas informações sobre o caso, antes do acontecimento.
O "Times" ouviu o governo e não publicou. Anos depois, o presidente Kennedy chamou Dryfoos dizendo que era muito ruim que ele não fosse o presidente na época porque poderia ter frustrado a invasão e salvado vidas.
Então veio a Guerra do Vietnã, quando "Punch" era o publisher, e Rosenthal era o editor. O jornal recebeu os documentos secretos do Pentágono, uma história secreta da guerra escrita pelo governo.
Isso era totalmente contrário à política do governo. Deveria ou não ser publicado? Abe Rosenthal não tinha dúvidas de que a resposta era sim. O argumento de que a publicidade do governo cessaria não prevaleceu, e "Punch" disse: "Certifique-se de que as informações estão corretas e publique-as".
É um dos maiores furos do jornal nos últimos 50 anos. Inclusive depois do primeiro artigo, o governo tentou impedir o resto do material. Essa foi uma mudança de ponto de vista do publisher.
Folha - O primeiro exemplo demonstra que nem sempre o jornal consegue manter a divisão...
Shepard - Posso dizer isso porque estou aposentado e fora da área. O jornal tenta ser o mais puro possível, mas esse é um negócio impuro. O problema é que é feito por humanos, não há uma máquina que avalie a importância das histórias. Então, por instinto, criação ou o que quer que seja, acontecem os lapsos, entre os repórteres e entre os publishers.
Quem cobre política em Washington conhece bem as pessoas sobre as quais escreve. É o mesmo com os repórteres de polícia, por exemplo. O "Times" costumava indicar uma segunda pessoa, de outra área, para redigir o artigo, como maneira de contornar esse relacionamento.
Afinal, como o jornalista escreverá tudo o que sabe e ao mesmo continuará a manter suas fontes?
Folha - São os furos que fazem o prestígio do "Times"?
Shepard - Mais do que informações exclusivas bombásticas é o tom da cobertura que faz do "The New York Times" o que ele é. São as edições especiais, toda uma seção dedicada ao assunto principal, com muitas informações, muito mais detalhes.
O jornal não poupa dinheiro para a apuração de uma boa história. O que for preciso, será feito. A virtude do "Times" é cobrir uma grande história de uma grande maneira.

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