São Paulo, domingo, 11 de agosto de 1996
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Quem governa o Brasil?

HERBERT DE SOUZA

Tive a oportunidade de ler um documento exclusivo e oficial assinado pelo presidente do Banco Internacional em Reconstrução e Desenvolvimento dirigido aos diretores-executivos em estratégias assistenciais do Banco Mundial para o Brasil.
Tudo que li lembrou-me um velho slogan sobre Lincoln Gordon: "Basta de intermediários, Lincoln Gordon para presidente". Trata-se, agora, de atualizar essa questão: por que ficamos brigando entre nós, que somos ou já fomos amigos do presidente Fernando Henrique, se tudo já foi combinado com o Banco Mundial? Entregando a Presidência a quem de fato governa, poderíamos nos dedicar a outras coisas.
Nessa versão globalizada, o slogan adequado seria: "Basta de intermediários, o Banco Mundial para a Presidência". Fernando Henrique de príncipe, viajando como o nosso Charles, e o resto já planejado, conforme o acertado e publicado. Não em plataformas de governo, nem baseado em eleições, mas em documentos oficiais da maior seriedade e eficácia do banco. Tudo o que foi dito e combinado, em junho de 1995, está acontecendo. Vejamos:
1) "Primeiro, a estabilização, por meio de reformas estruturais. Um período sustentado por inflação baixa constitui o maior instrumento contra a pobreza e a desigualdade."
Esse é o principal e talvez o único argumento do governo para se defender: estabilização, Plano Real, arma fundamental da política econômica e social, o instrumento fundamental de combate à miséria, o substituto teórico e prático do Comunidade Solidária. Com a estabilização, a miséria vai acabar, um dia. Que os miseráveis não saibam disso não importa, um dia isso vai acontecer.
2) "Reformas nacionais. A privatização vai ajudar os esforços para fortalecer as finanças públicas aumentando os impostos, por meio do crescimento do setor privado."
E aí vem o anúncio do que está sendo e será privatizado: "As companhias petroquímicas, ferroviárias, mineradoras e de computadores a serem vendidas, além de duas distribuidoras de energia elétrica, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, correspondem à metade das expectativas de privatização de 95. As autoridades pretendem privatizar o setor de geração de energia, uma vez que as regras estejam definidas. Um banco nacional e os estaduais serão privatizados."
3) "Privatização de mineradoras, petróleo e geradores de energia serão ajudados pela passagem de uma emenda constitucional, agora no Congresso, que vai suprir restrições à participação estrangeira (...). O interesse estrangeiro deve ser maior na companhia de mineração (CVRD), concessões para petróleo e hidroelétricas." Aí está também a Vale. A lista das privatizações é essa. Está decidida e sendo seguida à risca.
4) "Reformas estaduais. Mais da metade dos gastos públicos ocorre nos Estados brasileiros." O texto define as extensas obrigações dos Estados e o tamanho de suas crises: uma dívida de US$ 100 bilhões. A receita é a mesma: privatização e aperto nos gastos. Essa questão só não está na ordem do dia com a força que o banco recomenda por causa das eleições, mas que virá, virá. Governadores do Brasil, seus dias estão contados, vocês só mandam nas suas crises.
5) "Políticas de setores específicos. Formação, infra-estrutura, meio ambiente." Aqui, até que enfim, aparece uma preocupação com o lado humano do desenvolvimento e com os pobres: educação, saúde, infra-estrutura. Nenhuma novidade, o de sempre, sem um detalhamento que revelasse mais urgência com o tema.
6) "Políticas específicas contra pobreza. Elas englobam tanto iniciativas rurais quanto urbanas e esforços para a mobilização das comunidades e o aumento da participação de ONGs." Finalmente, os pobres, apesar de que o banco tem a coragem de afirmar: "O objetivo central do plano assistencial é lutar contra a pobreza, e todas as iniciativas do banco devem ser julgadas por esses critérios fundamentais".
É realmente incrível como a retórica econômica do banco se esconde atrás da pobreza para vender seu modelo, transformado em programa de vários governos na América Latina, incluindo o brasileiro.
Não falta o apelo de sempre para a comunidade e as ONGs, lembradas nesses momentos. Enquanto, na questão econômica, as prescrições são tão precisas, e, a lista de privatizações, tão completa que até se antecipa ao que ainda está por acontecer, no social, o documento indica intenções.
Com tudo isso, e com o resultado inglório de 50 anos de ação do banco contra a pobreza no mundo, que só faz aumentar, é de se perguntar se realmente tem sentido um governo nacional com toda sua burocracia, seus gastos, crises e desgastes.
Não seria mais barato acabar com os intermediários e entregar de vez o governo a quem governa, o Banco Mundial? Os presidentes poderiam ter uma vida mais tranquila, viajar ainda mais, e nós estaríamos pelo menos diante de um Estado global.
Só nos falta agora conhecer o documento de 1996 para saber o que vai ocorrer em 1997. É esperar para ver. A propósito, uma informação: nosso presidente se chama James D. Wolfensohn, o do banco.

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