São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
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Os lugares do crime

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Embora São Paulo, como diz a velha piada, tenha a vantagem de ser uma cidade onde você vê o ar que respira, tem a desvantagem de ocultar daqueles que frequentam seu coração a violência que aqui é praticada.
A vasta mancha urbana da maior cidade do país tende a exilar em suas bordas os miseráveis que, no dia-a-dia, convivem com índices de criminalidade brutais -seja qual for o parâmetro nacional ou internacional.
É o caso do já célebre Jardim Ângela, onde a taxa de homicídios é de 111 por cem mil habitantes, superior à da violenta Cali, na Colômbia.
Naquele jardim, uma pessoa tem nove vezes mais chance de ser assassinada do que alguém do outro jardim, o Paulistano -cuja taxa é de 13 homicídios por cem mil habitantes.
Mais chocante: as principais vítimas dessas periferias estão na faixa de 20 a 24 anos.
Os números não são novos. Em março, um caderno especial publicado pela Folha alertava para o fato de a cidade estar ultrapassando os índices de criminalidade do Rio, cuja imagem entre os paulistanos pouco se diferenciava da do Vietnã durante a guerra.
Ali, ao contrário de São Paulo, por razões geográficas e históricas, os "jardins" frequentemente estão lado a lado. A distância é vertical -entre o morro e o asfalto- e não horizontal.
A violência inédita registrada no início do ano em São Paulo, assim como os números do Jardim Ângela, despertaram a atenção dos paulistanos. Mas nada que perdurasse.
Afinal, ali, naquela terra perdida da vista, "ninguém" vê, fala, escreve ou coloca faixas brancas em edifícios.
Foi preciso a atrocidade concentrar-se, em alguns dias, nos jardins mais ricos da cidade para que a indignação surgisse em forma de movimento.
Que seja bem-vinda a reação. Mas que não esqueça que a vida da juventude de lá deve valer tanto quanto a de cá.

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