São Paulo, domingo, 18 de agosto de 1996
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Uma rede de intrigas na América Latina

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Escrito por jornalistas ligados a "The Nation", tradicional publicação de esquerda nos Estados Unidos, não faltam polêmicas e questionamentos a "Thy Will Be Done".
Assim, Albert Fishlow, ex-consultor do Departamento de Estado, questiona a própria essência do livro, dizendo que a atuação de Rockefeller foi prejudicada, depois da Segunda Guerra, pela "decisão dos Estados Unidos de entrarem no Plano Marshall, esquecendo a América Latina".
O Brasil e outros países da região ficaram "desapontados" e partiram para "um programa de desenvolvimento independente", frustrando os planos de Nelson Rockefeller.
Gerard Colby e Charlotte Dennett, autores do livro, para este e outros questionamentos, têm respostas rápidas. No caso, Fishlow integra hoje o Council of Foreign Affairs, mantido pela família Rockefeller.
Por outro lado, os autores citam elogios feitos por especialistas como John Womack Jr., professor de história latino-americana na Universidade de Harvard, para quem "Thy Will Be Done" "é provavelmente o estudo definitivo para a região".
Ou ainda, uma resenha do "The Washington Post", que avalia o livro como "fascinante" e comenta que "muito já foi escrito sobre os Rockefeller, mas este livro é o primeiro a detalhar as alianças empresariais com a América Latina e a mostrar como elas funcionam em conjunto com políticas anticomunistas que levaram às operações encobertas dos EUA e ao apoio a ditaduras por toda a região".
Outras polêmicas são comentadas na entrevista a seguir à Folha.
*
Folha - Lincoln Gordon, que foi embaixador no Brasil, disse que as acusações do livro são velhas e infundadas, e que nada jamais foi provado de possíveis "ações ilegais" dos Rockefeller na América Latina. O sr. pode comentar a opinião dele?
Gerard Colby - Lincoln Gordon foi, como as pessoas se lembram, o embaixador durante o golpe. Nós citamos telegramas em que Gordon sabia que havia um golpe para acontecer e estava mandando informação para o governo dos Estados Unidos. Algumas das quais, como você pode ver na lista de distribuição, incluíam o coronel King, da CIA (leia texto à pág. 5-6).
Nós não acreditamos que Gordon seja uma fonte confiável, já que ele é um dos participantes no que, essencialmente, foi um dos crimes do século 20. Depois do golpe, não apenas o destino do Brasil passou por uma imensa mudança, mas a Amazônia e os índios foram abertos para genocídio ainda maior. E Nelson Rockefeller sabia o que estava acontecendo dentro do país. O que ele faz? Ele viaja até o Brasil, em 1969, encontra-se diretamente com a liderança militar, recebe o relatório do Serviço Nacional de Informações... E, passo seguinte, você vê Nelson pedindo apoio para o que ele chama de "novos militares", para serem a vanguarda do desenvolvimento.
Militares que promoveriam coisas como a Transamazônica. Não é surpresa que, em 1972, você leia no "The New York Times" o primo de Nelson, Richard Aldrich, que então já era o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, afirmar com entusiasmo: "Esta estrada é terrivelmente importante para o desenvolvimento do interior. Já está trazendo gente e vai tornar materiais brutos muito mais acessíveis ao mundo exterior". Então, Lincoln Gordon é alguém com quem os Rockefeller tinham relações, e ele era um representante, de fato, daqueles interesses norte-americanos. Eu não estou surpreso com a declaração de Lincoln Gordon. Ele tem muito a esconder.
Folha - John Michael Taylor, vice-presidente da Sociedade Internacional de Linguística (SIL) no Brasil, disse que não há evidência de colaboração entre Rockefeller e a SIL...
Colby - Se você quiser, nós podemos mandar uma cópia de relatório do Rockefeller Brothers Fund, que mostra a doação deles à SIL.
Folha - Sim, mas eu gostaria de uma resposta. Ele também disse que a organização é conhecida por ajudar a preservar a cultura e a vida de índios. E também que William Cameron Townsend, o fundador da SIL/Wycliffe, escreveu um livro apoiando a nacionalização das companhias americanas de petróleo no México, o que não faria dele um amigo de Nelson Rockefeller. O sr. pode comentar?
Colby - Bem, naquele livro, por outro lado, William Cameron Townsend elogia Nelson Rockefeller por seu trabalho. E o livro foi usado por Townsend como forma de obter acesso a outros nacionalistas latino-americanos.
A experiência no México foi, na verdade, a última do fundador da SIL/Wycliffe apoiando aquele tipo de luta por controle nacional sobre recursos naturais, em qualquer país. A SIL/Wycliffe, depois, envolveu-se profundamente com o governo norte-americano e com doações de corporações. Doações de empresas que, obviamente, tinham interesse em expandir as suas operações na América Latina.
Quanto a terem ou não qualquer associação com os Rockefeller, eu diria a eles para dar uma olhada no relatório anual do Rockefeller Brothers Fund, onde está mencionado que a SIL recebeu US$ 10 mil pelo trabalho linguístico nas Filipinas. A nossa sensação é que é bastante óbvio que dinheiro e apoio estavam indo para a SIL/Wycliffe utilizando diversos meios, não apenas o Rockefeller Brothers Fund ou a Agency for International Development, de Nelson Rockefeller. Taylor talvez não estivesse a par do recebimento de dinheiro do Rockefeller Brothers Fund. Ele talvez também não soubesse que Rockefeller trabalha através de outras fundações e grupos.
(NS)

LEIA MAIS sobre Nelson Rockefeller à pág. 5-6

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