São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 1996
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Redistribuição de renda sem paternalismo

LUÍS PAULO ROSENBERG

A economia de mercado é espetacular para alocar eficientemente recursos.
Os núcleos de planejamento econômico das economias socialistas e seus planos de longo, médio e curto prazo, cheios de boas intenções, jamais conseguiram aproximar-se da fartura gerada pela mesquinhez empresarial capitalista.
Por isso o sistema de planejamento centralizado foi praticamente varrido do mundo.
Eficiência, entretanto, não implica em equidade. Assim, a distribuição de renda produzida por um eficiente regime de mercado pode ser extremamente iníqua.
Na verdade, a tendência à concentração de renda é um estigma que acompanha a competência produtiva capitalista.
Há fundamento teórico, portanto, em se exigir do Estado uma ação corretiva às injustiças decorrentes da liberdade da iniciativa privada, seja pela política de tributar progressivamente os ricos, seja pelo gasto público direcionado a minorar o sofrimento dos desprovidos.
Com muito mais razão essa intervenção corretiva é necessária no Brasil, uma economia exposta por décadas à sanha concentradora de que só uma inflação persistentemente em ascensão é capaz.
Consequentemente, nada de falsos pudores neoliberais em violar a partilha de frutos, ditada pela mão invisível: ela sistematicamente vem desmunhecando contra os pobres.
De todos os mecanismos concebidos para redistribuir renda sem destruir as virtudes alocacionais do capitalismo, o prêmio de elegância e fundamentação filosófica vai para o imposto de renda negativo.
Concebido há décadas por Milton Fridman e tropicalizado para o Brasil pelo senador Eduardo Suplicy, o sistema de garantia de renda mínima visa atacar a má repartição da renda com uma só ferramenta: o imposto de renda.
Todos os brasileiros declarariam seus rendimentos. Quem estivesse acima da linha de pobreza, convenientemente definida, pagaria o imposto; os que se situassem abaixo, receberiam, em espécie, uma complementação de poder aquisitivo.
Simples e eficaz como a roda, a garantia de renda mínima tem mais dois grandes méritos:
Flexibilidade, pois os limites de quanto e de quem compensar podem crescer no tempo, na medida em que a sociedade como um todo enriqueça.
E respeito à dignidade humana, pois em vez de procurar minorar as dificuldades do pobre por meio do assistencialismo que lhe impõe uma solução (cesta básica, programa do leite, doação de agasalhos, amarração de trompas e o que mais a criatividade dos comitês de primeiras damas ociosas for capaz), o programa de renda mínima pressupõe que ninguém melhor do que a própria família beneficiada sabe como hierarquizar a superação de suas necessidades básicas.
Em boa hora o deputado Delfim Netto está forçando a votação do projeto de garantia de renda mínima, adormecido no Congresso há anos, apesar da dedicação evangélica do senador Suplicy em conquistar corações e mentes à sua nobre causa.
Claro, não se poderá ficar a meio caminho. Sancionada a lei, imediatamente devem ser extintos programas sociais assistencialistas que somam montante de desembolso público igual ou maior ao que será exigido para implementar a nova sistemática.
Sob pena de transformarmos uma iniciativa modernizante e valorizadora do respeito ao indivíduo em mais um ato de leviandade fiscal explícita.

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