São Paulo, terça-feira, 20 de agosto de 1996
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Tarifas bancárias e o consumidor

IVAN VALENTE

Como se sabe, a resolução 2.303, de 25/7/96, do CMN (Conselho Monetário Nacional), libera os bancos para cobrarem por uma série de serviços, antes gratuitos (manutenção de conta corrente, compensação de cheques, saques e depósitos etc.), e desobriga tais estabelecimentos de manter agências abertas ao público por um horário mínimo (desde que funcionem entre 12h e 15h).
A edição dessa medida foi acompanhada de incredulidade e justa indignação da sociedade. Por isso, diversas instituições e entidades têm se mobilizado para revogá-la, uma vez que, produzindo claros prejuízos aos consumidores, com novas e mais altas tarifas, além de filas ainda maiores, opera para aprofundar o desemprego entre os bancários.
Até aqui os argumentos dos integrantes do conselho para decretar a liberação geral têm sido idênticos ao que utilizam para justificar o Proer: os bancos estariam perdendo receitas com o fim do "imposto inflacionário", o que supostamente exigiria a intervenção do poder público, injetando dezenas de bilhões de reais, bem como favorecendo a obtenção de outras receitas, em nome da preservação do sistema financeiro que opera no país.
É evidente que tal raciocínio faz vistas grossas para a invejável lucratividade que os bancos vêm exibindo ano após ano; com ou sem inflação. Ignora mais ainda levantamentos como os feitos pela "Engenheiros Financeiros e Consultores", que aponta que nos 40 maiores bancos as receitas com prestação de serviços, em 1995, somaram R$ 6,5 bilhões (quase meio Proer!), cerca de três vezes a receita obtida em 1993, sob a mesma rubrica.
Ou ainda o fato de que, segundo aquela empresa de consultoria, as despesas com pessoal (incluindo encargos sociais) subiram apenas 30%. Trabalho realizado pelo Sindicato dos Bancários de São Paulo, por sua vez, mostra que em 1989, num universo dos dez maiores bancos, as receitas com tarifas cobriam 7,6% daquelas despesas e, em 1995, já representavam 64,5%. Esse mesmo trabalho assinala que, nesses seis anos, as despesas de pessoal cresceram 333%, e as receitas com tarifas elevaram-se em 2.826%.
E mais, no mesmo estudo feito pelo sindicato, em pesquisa nos 22 maiores bancos, 79% dos reajustes de tarifas aplicados ao longo do último ano foram feitos acima do índice da inflação (INPC 17,24%). Os bancos caminham assim para cobrir sua folha de pagamento, incluindo os encargos sociais, apenas com as receitas de tarifas.
O absurdo da situação fica patente quando se verifica o custo disso para os consumidores. Cálculos realistas indicam que, nos quatro maiores bancos do país, para cobrir os custos de serviços como cheque especial, saque eletrônico, talão de cheque e renovação de cadastro, o cidadão precisaria manter R$ 5.000 por mês aplicados num fundo de curto prazo. Mais fantástico ainda é acrescentarmos a informação de que mais de 90% das cadernetas de poupança no Brasil têm menos de R$ 2.000.
Porém esse aumento não recaiu nem recairá igualmente sobre o conjunto dos consumidores. Ao contrário, são os pequenos correntistas e usuários do sistema financeiro que pagam. Os grandes não enfrentam as enormes filas, são atendidos até fora do horário de expediente e são isentos de tarifas, já que são cortejados pelos banqueiros com uma série de agrados para manter e/ou ampliar as operações com seus respectivos estabelecimentos.
O pior é que, em nosso país, foi montada uma estrutura em que os cidadãos dependem dos bancos para tudo. Para pagar as contas de luz e de água, para adquirir a cédula de identidade, para receber os salários etc. A política de preços extorsivos para as tarifas estabelece, então, uma situação paradoxal: o cidadão é, ao mesmo tempo, empurrado e expulso dos bancos.
Mais que isso, ao abrir caminho para cobrança pela manutenção das contas correntes, o governo labora para reduzir os salários daqueles (a maioria) que são pagos por meio dos bancos.
Frente a essa realidade, a Febraban encarregou-se de introduzir a nota risível: afiança que será a competição entre os bancos que possibilitará ao consumidor "optar" pelo melhor serviço ao menor preço. Ora, ninguém ignora que, de um lado, o sistema financeiro tem funcionamento mais próximo de um cartel do que propriamente de um "mercado competitivo" e que, por outro, ao menos no Brasil, não são os consumidores que "escolhem" os bancos, mas estes que são impostos àqueles. Ou seja, usuários e pequenos clientes são verdadeiros reféns do sistema.
Fica evidente assim que essa resolução do CMN trabalha para aumentar arbitrariamente os lucros e, sem justa causa, o preço dos serviços, ferindo a lei antitruste. Por outro lado, ao configurar uma intervenção do Estado em prejuízo dos consumidores, agride-se o Código de Defesa do Consumidor.

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