São Paulo, sábado, 24 de agosto de 1996
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Os ajustes empresariais e a lógica da globalização

MARCIO POCHMANN; GREINER COSTA

MARCIO POCHMANN e
GREINER COSTA
No último dia 11 de julho, na reportagem "Globalização quebra ícones de qualidade", esta Folha trouxe à tona um tema ainda não muito debatido: a fragilidade das empresas que até pouco tempo poderiam ser consideradas "ilhas de eficiência" no Brasil.
O que estaria acontecendo com aquelas empresas que eram símbolos do processo de reestruturação empresarial?
Desde o início dos anos 90, com o projeto do governo Collor de combinar abertura comercial com recessão econômica, grande parcela do setor empresarial brasileiro foi colocada em xeque.
Diante da ausência de políticas industrial ativa, comercial defensiva e social compensatória, o espaço de ajuste competitivo foi remetido para o interior de cada unidade empresarial.
Em função disso, muitas empresas procuraram realizar inovações organizacionais, produtivas e tecnológicas.
Paralelamente, o enxugamento do núcleo de empregados estáveis, a redução das hierarquias funcionais e a ampliação das subcontratações de trabalhadores nas atividades secundárias (transporte, alimentação, segurança e limpeza) também ganharam destaque nos programas de enfrentamento dos problemas decorrentes, sobretudo, da maior concorrência externa em uma economia carente de investimentos.
Em várias empresas, as estratégias de ajuste microeconômico, em suas mais diferentes formas, chegaram a ser levadas a extremos, permitindo que, no curto prazo, fossem obtidos ganhos de produtividade e de qualidade.
Dessa forma, as técnicas de reengenharia, de "downsizing", de qualidade total, entre outras, passaram a ser difundidas acriticamente como selo de garantia de maior eficiência e permanência no mercado.
O evangelho dos novos consultores transformou-se rapidamente no parâmetro principal da análise de resultados sobre fracassos ou êxitos da competência empresarial.
Como uma idéia aparentemente no lugar, surgiu um verdadeiro paraíso de gurus, milagreiros e organizadores de seminários e encontros de troca de experiências repletas de fórmulas de sucesso.
Entretanto, o empobrecimento do debate sobre as condições básicas de competitividade restringiu quase que exclusivamente ao âmbito microeconômico as possibilidades da atuação empresarial.
A adoção desses procedimentos voltados para o interior das empresas, que no curto prazo chegaram a apresentar alguns resultados positivos, gradualmente passou a se mostrar insatisfatória para os objetivos empresariais de maior amplitude.
Atualmente, revelam-se como idéias fora de lugar, que necessitam ser melhor analisadas, a tal ponto de programas de ajustes internos anteriormente implementados estarem sendo reavaliados.
Nesse aspecto, convém esclarecer que, na lógica da globalização, o evangelho microeconômico dos novos consultores tem fôlego curto.
Os exemplos recentes das empresas brasileiras consideradas "ilhas de eficiência" e que passam por várias debilidades permitem observar com clareza os limites e a baixa eficácia, no médio e longo prazos, da promoção desse tipo de ajuste empresarial.
Os procedimentos do padrão de competitividade sistêmica envolvem a definição de elementos mais abrangentes do que meramente os ajustes microeconômicos (como os investimentos em infra-estrutura, taxa de juros, câmbio, tarifas de importação, ritmo de crescimento econômico e articulação das demais políticas governamentais).
E são eles que constituem os sustentáculos das condições básicas em que melhor podem ser desenvolvidas as estratégias empresariais.
Nesse particular, a valorização cambial e a abertura comercial gerados no atual período podem ser vistos como casos exemplares de como o padrão sistêmico atua na definição das estratégias empresariais que transcendem ao universo dos ajustes microeconômicos.
As chances de sucesso de uma empresa dependem das estratégias de médio e longo prazos, que procuram vislumbrar a formação de novas tendências, antecipar-se, encontrar nichos ou assegurar segmentos maiores de mercado e construir capacidades tecnológicas diferenciadas.
Para isso, condições mais abrangentes do ponto de vista da unidade empresarial assumem papel fundamental, que os dogmas do evangelho dos novos consultores parecem incapazes de dar conta.
A construção de um posicionamento estratégico de mais largo prazo tende a viabilizar respostas concretas aos desafios colocados no âmbito da atuação tanto micro quanto macro das decisões empresariais.
Nesse sentido, a redefinição de uma nova inserção internacional da economia brasileira e o estabelecimento de mecanismos públicos de regulação socialmente construídos (não necessariamente estatais) poderão criar as condições para que as estratégias empresariais tenham maior possibilidade de êxito, não estando dissociadas do conjunto dos interesses da sociedade.

Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e diretor-adjunto do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho na Universidade Estadual de Campinas.

Greiner Costa é pesquisador do Centro de Estudos de Educação e Sociedade e do Projeto Escola de Governo.

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