São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996 |
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Eleição e assédio
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Apenas um exemplo: você recebe em casa um formulário oferecendo um novo cartão de crédito, que vai mudar sua vida. Tê-lo no bolso é transformar-se em alguém muito especial, lindo, rico, tratado a pão-de-ló e tapetes vermelhos. Até aí, ok. É uma proposta acompanhada das habituais promessas fantasiosas da sedução. Você lê aquilo, acha muito bacana, mas simplesmente não quer. Não envia a proposta. Portanto, diz não. Passa-se um tempo e novo envelope chega à sua casa. Aberto, começa o ataque: um cartão de crédito, com seu nome impresso e validade de três anos, salta dali, nu e insinuante, pronto para tudo. É ele mesmo, aquele que foi recusado. Um folheto diz que, como você não "aproveitou" o formulário anteriormente enviado, agora está diante de uma "proposta irrecusável". Ou seja: o cartão que você não quis está à sua frente, com 90 dias de mensalidade grátis. Enfia na carteira e estamos conversados. Não chega ao estupro, mas é assédio, não é dona Marta? * Que essa é a eleição do marketing, não há dúvida -a começar pela adoção de comerciais à la americana, como o de produtos, distribuídos pela programação. Mas o eleitor e o Brasil de hoje já não são os mesmos de 89. Esta é, por exemplo, a primeira campanha na qual não está em cena a inflação, o mais dramático problema que o país enfrentou nas últimas décadas -e um dos que mais colaboravam para a "federalização" de pleitos municipais e estaduais. Como nunca, ao que parece, vota-se no prefeito com os olhos no município, não em Brasília. É também a primeira a se seguir a uma escolha que não se voltou contra o eleitor. Depois da depressão com a morte de Tancredo, do naufrágio do Cruzado de Sarney, do escândalo de Collor, elegeu-se um candidato em nome da estabilidade -e ela está sendo mantida. É lícito supor que o eleitor votou em alguma coisa que "deu certo" e quer repetir a dose. Se a publicidade continua, como as mulheres, tendo o dom de iludir, ela depende, cada vez mais, de um mínimo de referência real. Ou seja, a publicidade política também virou um "processo": ela termina na TV, mas começa com obras visíveis e concretas (ou de concreto), como o Cingapura, por exemplo -um outdoor com gente morando dentro. Como diz um dos especialistas da área: "Não adianta pintar o meio-fio e querer que a propaganda resolva. Tem que fazer a rua nova." Texto Anterior: Presidente visita hospital paulistano Próximo Texto: Candidatos "encaram" debate virtual Índice |
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