São Paulo, domingo, 1 de setembro de 1996
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Um canteiro de idéias para a educação

JAIME LERNER

O pequeno distrito de Faxinal do Céu, no sudoeste do Paraná, vive uma realidade sonhada por muitos, mas dificilmente repetida em outro lugar: na pequena comunidade de mil habitantes, a 400 quilômetros de Curitiba, a educação é conversa de cafezinho, tema de discussão, principal matéria do dia-a-dia.
A população -funcionários que operam a usina hidrelétrica de Foz do Areia e suas famílias- divide espaço com pelo menos dez importantes intelectuais brasileiros, uma orquestra, espetáculos do melhor teatro e um contingente de 960 professores da rede estadual de ensino, que a toda semana chegam para seis dias de conferências de altíssimo nível e muito debate.
Esse universo humano é uma ilha de efervescência cercada de natureza por todos os lados. Há um bosque natural de pinheiros que convida a caminhadas e um horto florestal que celebra a conservação do meio ambiente.
Foi nessa região, uma das mais bonitas do Paraná, que o governo do Estado e a Copel (Companhia Paranaense de Energia) celebraram estratégica parceria. Unindo geração do saber e geração de energia, transformaram o que restou de um canteiro de obras na Universidade do Professor, um canteiro de idéias onde vai surgindo a semente de uma nova escola.
Celebração da qualidade. Essa a primeira impressão de quem chega à Universidade do Professor, onde se realiza, desde março, o Seminário de Educação Avançada, que deverá atingir os 60 mil professores do Paraná. Ali, as 275 casas de madeira conservadíssimas, que abrigam os convidados, espalham-se em um imenso gramado, pontilhado por folhagens.
A genialidade do homem no pensamento e na arte e a qualidade das maiores produções humanas no decorrer dos séculos não são meras referências físicas, mas o ponto de partida para um grande desafio do nosso governo: levar o professor da rede estadual de ensino a exercitar a qualidade de vida, de convivência e de pensamento, compreendendo que é da qualidade individual que nasce a excelência do coletivo.
Em Faxinal do Céu, o dia começa às 6h e só acaba às 22h30. Cada casa abriga quatro professores a partir de um único critério: subverter a geografia, misturando sotaques, experiências e realidades. Professor de cidade grande fica ao lado de professor do meio rural, onde o ensino é seriado; a região Norte passa a vizinhar com o litoral. Uma oportunidade rara de contato com a diversidade do Estado.
Mas essa não é a maior surpresa do seminário. Acostumado a cursos de treinamento para habilidades específicas que lhe garantam pontos para ascender profissionalmente, em Faxinal o professor não tem aulas convencionais nem faz jus a certificados. Afinal, há diferença entre ser professor e ser educador. E o educador tem que estar preparado para a missão máxima de levar o aluno a aprender a aprender. O que significa, antes, o próprio professor aprender a aprender. E aprender sempre.
O subproduto é um precioso diagnóstico da situação da educação no Estado e uma coletânea de experiências pedagógicas, algumas notáveis, realizadas em escolas absolutamente despojadas.
A atividade construtiva -ou trabalho em grupo- é o desaguadouro de outras duas linhas de ação do seminário: a qualidade de vida e a conceitual. Na qualidade de vida, o participante faz a integração do corpo e da mente, exercitando atividades múltiplas, inclusive caminhadas. Na linha conceitual, passeia pela literatura, arte, filosofia, história, pensamento oriental e pedagogia.
Na verdade, o seminário leva o professor a ver o aluno, a escola e si mesmo com novos olhos. E olhos muito mais exigentes. Essa é a primeira grande mudança. A segunda é a forma como a própria mudança vem sendo implementada: começa a se consolidar a idéia de que a excelência da escola não virá pronta, de cima para baixo, mas deve ser gestada pelos próprios professores. É o que já está acontecendo.
Como se vê, são frutos raros. Com a cor da terra e o sabor da cidadania. E a safra aumenta dia a dia. Nesse exato momento, em algum ponto do Estado, outros frutos vão nascendo. E os professores querem desdobramentos de Faxinal. Entusiasmados com os resultados, buscam safras ainda mais generosas.
Esse é um sonho que está acontecendo todos os dias. Se a gente mudar a educação do país, mudamos o país.

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