São Paulo, terça-feira, 3 de setembro de 1996
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A doença esquecida

DANTE MONTAGNANA

No começo dos anos 70, os norte-americanos começaram a ver, espantados, cada dia mais gente dormindo nas calçadas, pedindo esmolas, remexendo o lixo. Como muitos desses infelizes tinham modos bizarros e o governo anunciava uma nova política de saúde mental, que mandava "de volta à comunidade" os pacientes dos hospitais psiquiátricos públicos, não foi difícil ao povo concluir que aquela "gente da rua" era formada de ex-internos dos mesmos hospitais.
A conclusão popular não foi inteiramente confirmada. Levantamentos estatísticos posteriores, do governo e das universidades, constataram que apenas (!) um quarto daquela gente provinha dos hospitais esvaziados. Mas era também verdade que outro quarto era formado de novos pacientes, que, encontrando a porta dos hospitais fechada, eram encaminhados a serviços externos de saúde.
C. Jencks, professor de sociologia da Northwestern University e renomado estudioso de política social, em seu livro "The Homeless", remete-nos a um quadro estatístico, levantado por dois outros sociólogos e um professor de psiquiatria, em que se comprova que, da totalidade dos sem-teto americanos (centenas de milhares), 22% eram egressos dos hospitais psiquiátricos, 33% apresentavam sintomas ativos de doença mental, 27% eram dependentes de álcool, 24% já tinham tentado suicídio e 41% já tinham sido presos.
Pois bem, nos últimos três ou quatro anos foram silenciosamente desativados no Estado de São Paulo perto de 20 mil leitos de saúde mental pública, que atendiam a aproximadamente 100 mil pacientes/ano. Será que toda essa gente vem obtendo um tratamento regular nos minguados serviços externos de saúde? Será que suas famílias têm recursos suficientes para sustentá-los indefinidamente em suas casas ou barracos? Será que já não estão compondo uma parcela ponderável da população de rua?
D. Luciano Mendes de Almeida, no artigo "Frio da Noite", publicado na Folha de 8/8, lembrou que 12 mendigos morreram ao relento neste inverno e conclamou a necessidade premente de albergues para as noites de frio. A Igreja Universal do Reino de Deus recebeu verba da Prefeitura de São Paulo para construir um albergue gigante. Por que para aquela parcela numerosa de sem-teto doentes mentais se quer oferecer albergues noturnos e pratos de sopa em lugar de atendimento psiquiátrico?
Marjorie Wallace, jornalista do "Times", comoveu a Inglaterra com uma série de artigos denominada "A Doença Esquecida", a doença mental. No Brasil, lembrar a doença mental talvez não seja "politicamente correto" nem comova as autoridades, que querem se ver livres desses doentes.

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