São Paulo, terça-feira, 3 de setembro de 1996
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Goste-se ou não

ANDRÉ LARA RESENDE

Passou despercebido, ao menos dos jornais de São Paulo, o seminário "América Latina, da guerrilha à democratização" realizado na semana passada no Rio. Os seminários hoje são tantos que o fato de não ter merecido maior atenção da imprensa não chega a surpreender. O "Jornal do Brasil", entretanto, que apoiou o evento, deu uma boa cobertura.
Foram as declarações de Ruben Zamora, líder social-democrata salvadorenho, que me chamaram a atenção. Zamora liderou a Frente Democrática Revolucionária, braço político da frente guerrilheira salvadorenha da década passada. Um homem de esquerda, as suas credenciais parecem não deixar dúvidas.
De toda forma hesito na classificação. A esquerda hoje sofre de uma terrível crise de identidade. Há tempos é mais seguro usar o plural: as esquerdas. É mais vago, mais abrangente, e corre-se menor risco de ser obrigado a especificar. Curioso é que, apesar da gravidade da crise, ser de esquerda continua a ser um título disputado. Há sempre quem bata no peito, declare-se a verdadeira esquerda e desqualifique tudo mais como a direita, ou pior, a falsa esquerda.
Pois bem, Zamora afirmou que o mal da esquerda é a nostalgia. Incapaz de formular novas alternativas, a esquerda latino-americana não consegue se desvencilhar das propostas de uma economia centralizada com políticas de substituição de importações formuladas pela Cepal dos anos 50 e 60.
Zamora vai adiante e diz que a esquerda não pode fincar-se no passado. É preciso ter como ponto de partida uma análise crítica do neoliberalismo -a expressão é do próprio Zamora, o que elimina qualquer dúvida de que venha a ser realmente de esquerda.
Segundo ele, há algumas virtudes a serem reconhecidas no neoliberalismo: a disciplina fiscal e o fim do Estado inchado. As alternativas só favorecem a corrupção. A globalização, por sua vez, não é uma opção, mas um fato. A opção, no caso, é apenas entre ter um papel ativo ou passivo no processo.
Até aqui, concordo integralmente. Quando, entretanto, Zamora passa à análise prospectiva, começo a ter minhas dúvidas. Segundo ele, o século 21 será marcado pelo conflito Norte-Sul.
O capitalismo dos países ricos não poderá servir de modelo para os países pobres como vem sendo até hoje, pois se o Terceiro Mundo passar a consumir o que o Primeiro Mundo consome, a humanidade acabará afogada em gases venenosos.
Assim sendo, acredita Zamora, o novo modelo de desenvolvimento mundial não pode ser formulado pelos países ricos, incapazes de adotar a austeridade de consumo que será forçosamente requerida. A salvação está entre nós, conclui.
Pode até ser, mas creio que tanto para nos qualificarmos quanto para acelerarmos a discussão das alternativas ao capitalismo consumista deste século, não temos alternativa senão reduzir o mais rápido possível a distância que nos separa dos países ricos.
E para isso, goste-se ou não, hoje só há um caminho: o que a esquerda convencionou chamar de neoliberalismo.

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